Quando entrámos no bar, a porta tinha acabado de ser aberta. As portadas ainda estavam fechadas, mas o papel no exterior dizia "Aberto". Assim que entrámos, tivemos a sensação que afinal o bar estava fechado, pois não havia viva-alma dentro da sala do rés-do-chão. Tocava um tango do segundo CD dos Gotan Project (Inspiración – Espiración). Havia uma carteira de mulher em cima do balcão e uma saca de plástico com roupa no chão. Sentámo-nos nos bancos altos, da outra ponta do balcão, junto ao local do Disk-Jockey e esperámos.
O Clandestino é um bar, perto da Praça do Peixe, aqui em Aveiro. Tem uma decoração retro-kitch e é frequentado por uma clientela mais alternativa e urbana. A música costuma ser muito boa.
Uns 10m depois saiu da cozinha, por detrás do bar, um tipo com o cabelo todo em pé e com uma pequena barbicha de forma triangular debaixo do lábio inferior e acima do queixo. Pedimos um fino e um whiskey e o som alto de um tango do Astor Piazzolla encheu a sala. As luzes amarelas pálidas davam um ar de bar decadente à atmosfera.
No entretanto a dona da carteira, de meia idade, tinha descido as escadas e dançava, claramente alienada, na outra ponta do balcão, ao som do tango, mas com a coreografia de "Walking like an Egyptian" das Bangles. E gritava de plenos pulmões, de modo a sobrepor-se à música, que gostava muito de tango. Que na juventude dela, em Miraflores, que dançava muito tango e que frequentava bailes.
Começaram a chegar clientes, mas nenhum ficava no rés-do-chão. Continuávamos, os dois de um lado do balcão, calados e agarrados aos copos, a tipa demente a dançar lá ao fundo e o barman, do outro lado, de pé, com o seu cabelo desgrenhado e a sua barbicha. Ao som de um tango de Astor Piazzolla e iluminados por uma luz amarela muito pálida.
A todo o momento esperava ver entrar pela porta entreaberta, e com as portadas encostadas, um anão que falasse de trás para a frente.
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