quinta-feira, julho 11, 2013

O Quotidiano (no Luxemburgo) - 9 meses, 1 filho, 200 cervejas, 4 países e várias línguas

Já passaram 9 meses desde que aqui cheguei e já passou o mesmo período de tempo desde que eu e o Baltasar cá estamos sozinhos. Faltam poucos dias para entrarmos de férias e como bons emigrantes voltaremos à terrinha. Não vamos de Mercedes, mas talvez já consigamos usar algumas palavras dos idiomas locais no nosso normal vocabulário português.

É complicado estar longe da família e dos amigos, mas estive o mesmo período de tempo na Califórnia e na altura não havia Raynair, Skype ou Facebook que nos conseguisse manter mais próximos. E sobrevivi… Mas também não havia um Sebastião! Não é sobretudo fácil estar longe dos filhos…

Mas embora pareça que foi ontem que aqui cheguei, na verdade muita coisa se passou entretanto. Fomos umas 3 ou 4 vezes a Portugal, e Portugal veio cá mais de uma meia dúzia de vezes. A alegria de ir à Alemanha buscar a mãe e o irmão, mesmo que a altas horas da noite, numa sexta-feira, contrastavam com a melancolia da partida nas segundas-feiras de madrugada. Saíamos de lá com o nó na garganta e com um corrupio no estômago, mas nunca se verteu uma lágrima, pois sabíamos que era assim que as coisas tinham que ser. Era um plano complicado de implementar, mas tínhamos que ser fortes a fazê-lo.

Ajudou o facto de se ouvir todos os dias o português, nas ruas, nos estabelecimentos comerciais ou mesmo entre amigos e muitas vezes as saudades do país foram ultrapassadas com comida da nossa terra (enquanto escrevo isso preparo uma caldeirada de cabrito). Recebemos a visita de amigos, mas não havia muito tempo para cultivar amizades locais… Eu, porque o Baltasar obviamente já tem muitos amigos.

O Baltasar já fala alemão melhor que eu, embora misture o luxemburguês e o francês, mas essa para mim é a maior vitória destes 9 meses. Na segunda-feira fui receber a avaliação dele e falei com as professoras dele. Se há uns 7 meses se mostravam preocupadas com os problemas de comunicação dele, agora quase nem falaram no facto de ele ter chegado quase dois meses depois dos restantes colegas e falaram dele como um demais na sala de aula. Em 7 meses, apesar de momentos complicados, as crianças mostram-nos que afinal os complicados somos nós, os adultos.

Um à-parte: Isto faz-me lembrar um episódio que me aconteceu ontem. Parei junto a um aeródromo de aviões miniatura telecomandados porque queria encontrar uma geocache. Nisto apareceu um tipo, parou o carro na entrada do aeródromo (onde não estava ninguém) e dirigiu-se a mim. Senti-me intimidado, mas ele sorriu e eu perguntei: “Do you speak english?” e ele respondeu “Only german”. Eu perguntei, ou afirmei, “Geocaching!?” e ele sorriu e apontou-me onde estava a cache. E cada um seguiu o seu caminho. Como as crianças…

Mas é muito normal aqui falar-se várias línguas na mesma conversa. É normal quando na mesma mesa estamos sentados suecos, espanhóis, luxemburgueses, belgas, franceses ou portugueses. É normal falarmos inglês, francês, espanhol ou mesmo outras línguas pelo meio. E o sueco tem dado para nos rirmos um bocado, porque é aquela que nos parece mais estranha (só isso dava para uma crónica).

Desde o dia 30 de Setembro, quando cruzei a fronteira, até agora, passaram 285 dias, 425 caches encontradas e cerca de 200 cervejas diferentes provadas (mas ainda não consegui provar todas as variedades que existem à venda aqui no supermercado). Houve dias melhores, e dias mais difíceis de passar, caches mais fáceis de encontrar que outras e umas cervejas que se tornaram mais agradáveis de degustar, que outras. Alguns dias, para além dos abraços do Baltasar, eram as melhores coisas do mundo, principalmente em dias de neve… E dizem os luxemburgueses que escolhemos o pior Inverno de sempre para nos mudarmos. Espera-nos agora o resto do Verão…


terça-feira, abril 09, 2013

O Quotidiano (no Luxemburgo) - Cenas ou Coisa Nenhuma


Eu sei, desde que cheguei que não escrevi muito. Em 2000 nos Estados Unidos estava só e sentia uma vontade compulsiva de escrever, mantinha-me mais próximo. A diferença horária também ajudava à escrita; no Japão era a surpresa e a diferença que me faziam escrever; e em Inglaterra já escrevia menos, mas tentava escrever qualquer coisa. No entretanto, passaram oito anos, não estou sozinho (o que na maioria das vezes até me limita a escrita em termos de tempo e atenção), as diferenças não são assim tantas e as que existem nem sempre são surpreendentes. A distância física, horária e cultural não é assim tão grande, apesar de muitas vezes pensarmos o contrário.

Mas tenho muitas vezes vontade e até consigo antecipar alguns temas sobre que escrever. Há muita coisa nova, diferente e surpreendentemente semelhante sobre a qual se merece escrever. Há aventuras novas, se não todas as semanas, pelo menos duas vezes por mês. E histórias, algumas histórias que merecem ser escritas para ficarem para a minha posteridade.

Já comecei a escrever este texto umas três ou quatro vezes. Ou sou interrompido pelo Baltasar que quer um copo de água, ou por um familiar ou amigo que num qualquer chat quer conversar ou por um colega de trabalho, se o tento escrever no local de trabalho. Muita coisa mudou nos últimos anos e as solicitações são mais que muitas. Distraímo-nos e perdemos a nossa atenção rapidamente. Dispersamo-nos por diferentes assuntos ou tarefas sem nos conseguirmos dedicar a uma e terminá-la. As coisas acontecem a uma velocidade muito maior e no entanto acabamos sem conseguir terminar o que começámos.

Por isso, vos escrevo isto. Não porque vos conte alguma coisa, mas para que saibam que estou vivo. E que ainda escrevo...


terça-feira, novembro 27, 2012

terça-feira, novembro 13, 2012

quarta-feira, novembro 07, 2012

O Quotidiano (no Luxemburgo) - As Guerras

Guerra Civil Espanhola

Quando soube que vinha para o Luxemburgo, e depois de decidir vir de carro desde Portugal, escolhi uma rota que me permitisse fazê-lo sem grandes stresses, de maneira a fazer pausas, sem fazer muitos mais que 800 quilómetros por dia e com umas geocaches pelo caminho. E foi assim que marquei a viagem no meu GPS, de cache em cache, desde Aveiro até San Sebastian, no primeiro dia.

Antes de chegar a San Sebastian parei no Parque Natural de Urbasa-Andia ao Norte da Comunidade Foral de Navarra para uma pausa na viagem e para tentar encontrar uma cache que me tinha chamado a atenção. Era uma homenagem a republicanos e bascos mortos pelas forças do Franco em 1936, aquando da Guerra Civil Espanhola. As montanhas são de calcário e há grutas e algares em todo o lado, e os soldados ou apoiantes nacionalistas aproveitaram-se desses acidentes naturais para fazerem desaparecer os corpos dos assassinados.

Porém a paz que se sente naquele lugar em nada tem a ver com memórias desses assassinatos. A estrada sinuosa que me levou lá fez-me lembrar a Serra de Aires e Candeeiros pela semelhança da estrutura calcária. Mas quando se entra na zona de bosque e vemos burros selvagens a pastar, com uma neblina que estava naquela altura, parece que estamos num reino encantado.

Durante quase todo o tempo que ali estive à procura da cache não vi nenhum ser humano. Apenas se ouviam badalos das ovelhas ao longe.

Como estava sozinho, quando voltei à estrada principal e até chegar a San Sebastian, comecei a pensar qual foi a última guerra civil em Portugal. Provavelmente já não temos uma guerra civil e nem uma guerra em território nacional há quase 180 anos, desde a guerra entre os liberais e absolutistas que terminou em 1834. Ok! Tivemos a guerra no ultramar, e se calhar alguns vão-me dizer que era território nacional, mas eu estava a pensar naquele que é actualmente o território nacional.



Primeira Guerra Mundial

No último dia da viagem atravessei os campos de batalha de Verdun, já muito perto da fronteira com o Luxemburgo. Para quem não sabe, a batalha de Verdun, na Primeira Guerra Mundial, é ainda hoje considerada a mais longa e uma das mais mortíferas batalhas de todos os tempos. Opôs os exércitos alemães e franceses durante quase 10 meses, de 21 de Fevereiro a 18 de Dezembro de 1916. Estima-se que terão morrido mais de 700 mil soldados no total, com uma média de 70000 por cada mês e mais de 2000 vítimas por cada dia de batalha [N.R.: Morreram menos de 2000 americanos no Afeganistão desde a sua invasão em 2001].

Quando parei no memorial ali erigido em memória das vítimas estavam lá 3 alemães. Um deles envergava uma t-shirt de uma associação internacional das famílias vítimas da batalha de Verdun, ou qualquer coisa do género. Não tive tempo de visitar as trincheiras, ou o que resta delas, mas passei por alguns cemitérios cravados de cruzes brancas e li algumas histórias sobre os acontecimentos.

No local não temos noção nenhuma das atrocidades que ali se passaram, porque se respira paz. Mas um soldado francês escreveu, em Maio de 1916: "A humanidade está louca. Tem que estar louca para fazer o que está a fazer. Que massacre! Que cenas de horror e carnificina! Não encontro palavras para exprimir o que sinto. O Inferno não pode ser tão terrível. O Homem está louco!"

O Corpo Expedicionário Português lutou mais a ocidente dali, na Flandres (Bélgica) e só entraram em acção depois da Batalha de Verdun ter acabado. Apesar de ter sido quase dizimado e esquecido pelo seu próprio país que na altura sofria algumas voltas e reviravoltas no governo.

A verdade é que para o bem e para o mal, nós, os portugueses, vivemos afastados destes centros de decisão e conflito. E pelos vistos também alienados no que concerne às razões por detrás destas guerras. Vejo vantagens e desvantagens em ambos os lados desta visão ou falta dela.



Segunda Guerra Mundial I

Num dos fins-de-semana que estava sozinho, aqui no Luxemburgo fui dar uma volta de bicicleta pelas redondezas da nossa nova casa. E, nessa volta, passei pelo cemitério americano e alemão das vítimas da Segunda Guerra Mundial.

É engraçado ver como os vencedores escrevem a história e têm uma exposição muito maior que os derrotados. Terão os soldados alemães sido responsáveis pelas ordens dadas pelos seus oficiais, ou os seus governantes e por isso terão menos honras que os seus conformes mortos americanos? A verdade é que no cemitério americano estão enterrados 5076 soldados americanos (sendo o mais famoso o General Patton) e no alemão estão aproximadamente 10 900, num espaço provavelmente 3 vezes mais pequeno. Cada cruz no cemitério alemão tem 4 nomes, dois de cada lado da placa (quando os tem, porque algumas vezes de um dos lados diz apenas "Zwei Deutscher Soldat"). No cemitério americano cada soldado americano tem uma cruz ou uma estrela de David.

De um lado nota-se a pompa, a ostentação e a propaganda própria dos americanos e dos vencedores, do outro, o lado sombrio, pragmático e austero dos alemães e dos derrotados. Não sei sinceramente de qual gostei mais. Acho que os mortos, depois deste tempo todo, são mais respeitados e têm mais honra no lado alemão. Pelo menos não servem de propaganda e fazem o seu papel de transmissores de uma mensagem de paz.



Segunda Guerra Mundial II

No último dos fins-de-semana que estive sozinho, resolvi ver as caches com mais votos na região e fui tentar encontrá-la. A cache estava escondida dentro de um bunker na infame Linha Maginot. Uma linha de fortificações, casamatas, postos de observação e abrigos ligados através mais de 100 quilómetros de túneis e construídos pelos franceses para prevenir uma eventual invasão alemã e situada ao longo da fronteira entre os dois países (entre a Suíça e o Luxemburgo). Para a sua construção, que durou quase 10 anos (até 1939), o ministério da defesa francês gastou quase todos os fundos que tinha e esquecendo-se de equipar as suas tropas.

Em Maio de 1940, o exército alemão invadiu a Bélgica, contornando assim a Linha Maginot e seis semanas depois conquistava a França. A Linha Maginot é ainda hoje o maior exemplo de um erro táctico. Mas é um monumento... Ao desperdício bélico.

Assim, fui até à Lorena perto de uma terra (cujo nome já foi alemão) chamada Kemplich e entrei num bunker da Linha Maginot. Sem saber muito bem o que me esperava, desci 6 (sim, seis) andares de escada no subsolo até encontrar um corredor onde num dos lados ficavam as camaratas dos soldados e do outro as casas-de-banho. As estruturas metálicas das camas e os lavatórios ainda lá estão. Chegando ao outro lado do túnel, e sem entrar noutros túneis que lá havia e que provavelmente ligariam a outros bunkers, mas que não tinha a certeza de serem seguros, subi os seis andares até ao outro bunker onde estaria a cache. Havia salas de comunicações, postos de vigia, buracos para canhões e metralhadoras, geradores e aquecimento. Sim! Havia aquecimento...

Nesse dia entrei em 5 bunkers em diferentes áreas em volta de Kemplich. Por isso imagino que possam existir mais por ali, das mais de 600 fortificações que as constituíam. Existe mesmo uma delas que se pode visitar no Forte de Hackenberg, onde até se garante aos visitantes uma temperatura de 12o C durante todo o ano.

Quando voltei, houve um colega meu que me perguntou se eu era fã da guerra, porque falei em Verdun e fui visitar a Linha Maginot. Mas não... Longe de mim ser fã de guerras. A verdade é que para um português, como eu, a guerra é uma coisa distante. Apesar de ter que deixar o país onde nasci por causa de uma guerra, a verdade é que raramente estive na presença de artefactos ou resultados de guerras tão presentes ou actuais sem ser castelos ou fortes medievais. Estive em Mostar e Dubrovnik há uns anos, mas os sinais de guerra foram quase todos apagados (não sei se para se esquecerem...).

É impressionante ver como, às vezes, a humanidade é mesmo inumana e constrói coisas para se destruir. Em nome do quê?

Sorte a nossa estarmos longe destas coisas… Ou não estaremos?

sexta-feira, outubro 26, 2012

quarta-feira, outubro 24, 2012

O Quotidiano (no Luxemburgo) - Editorial


Outubro
"Outubro é o décimo mês do ano no calendário gregoriano, tendo a duração de 31 dias. Outubro deve o seu nome à palavra latina octo (oito), dado que era o oitavo mês do calendário romano, que começava em Março."

No final de Outubro de 1974, parti da minha terra natal – Moçambique – para vir viver no país que me viu nascer. Nasci português numa terra distante, mas em território nacional. Uma colónia, uma terra, um país que nunca mais visitei.

Eu sou do tempo em que as aulas começavam na primeira semana de Outubro. Era uma noite em que não se dormia, ansioso por ver os velhos e novos amigos da escola. O dia no ano em que tudo mudava: deitar cedo e cedo erguer...

Em 1987, também por essa altura do ano, entrava para a Universidade (do Porto). Era um mundo novo. Éramos adultos, as exigências eram outras e as relações eram muito mais próximas. Felizmente, guardo com carinho muitos dos amigos dessa altura.

Dois anos depois, em Outubro, mudava-me para a cidade de Aveiro para ir estudar na Universidade. Deixava os pais e a namorada para trás. Passava a ser quase independente. Tinha uma semanada para gerir e um curso para tirar. Foi um período muito feliz em que fiz mesmo muitos amigos, fizemos juntos grandes festas e tivemos muitas aventuras. Sobretudo cresci muito.

Em Outubro de 1994, acabava o meu curso universitário e ingressava na vida profissional. O meu primeiro emprego a tempo inteiro! Não foi o melhor emprego da minha vida, mas foi o primeiro.

Dia 18 de Outubro de 1997, casava-me. Num belo dia de chuva intensa, em Vila Nova de Gaia, dizíamos sim a uma relação que já conta, hoje, 20 anos. Já lá vão 15 anos!

Há 13 anos, também em Outubro, sabia que iria fazer um estágio de quase um ano na sua maioria do tempo na Califórnia, Estados Unidos da América. Embora só começasse em Janeiro de 2000, a sorte foi ditada em Outubro de 1999 e as preparações começaram por essa altura. Talvez tenha sido um dos períodos mais marcantes da minha vida e de maior transformação. Houve bons e maus momentos, como é normal quando se está sozinho e longe.

Em 2004, em Outubro, ficava a saber que a minha curta estadia de três meses no Reino Unido iria terminar em breve. Voltámos em meados de Novembro. Desta vez tínhamos ido juntos, eu e a Cláudia. Foi um ponto de viragem muito importante nas nossas vidas, apesar da curta duração da estadia. Por essa altura adoptávamos a nossa gata Cinzas.

Um ano depois, também em Outubro, confirmava-se a gravidez da Cláudia e o Baltasar nasceria quase nove meses depois. Não tenho palavras para descrever o que senti nessa altura. O nosso primeiro filho... Acho que quem é pai sabe do que falo e quem não o é espero que um dia saiba o que quero dizer.

Talvez me esteja a esquecer de muitos outros Outubros, mas de momento estes são aqueles que mais me fazem sentir saudades.

E chegámos a Outubro de 2012. Se em 2000 parti para os Estados Unidos sabendo que ia estar sozinho nove meses, em 2004 fui para Inglaterra com a Cláudia e, agora que chego ao Luxemburgo, sei bem que somos quatro. A conta tem sido sempre de multiplicar... Por dois!

Se por um lado sei que as coisas podem ser mais fáceis porque em breve iremos estar juntos, na verdade a responsabilidade é maior, porque há duas crianças a crescer e para educar. E há um período longo de transição, em que estarei sozinho, depois com o Baltasar e só algum tempo depois estaremos todos juntos.

Por outro lado é a primeira vez que parto (ou partimos) sem ter data prevista para voltar. Como português tenho saudades e tenho o desejo de voltar, mas sei que não o farei com tanta brevidade como das outras vezes. Desta vez a estadia é mais prolongada.

Mas o mundo mudou. As viagens estão cada vez mais fáceis de serem feitas. Mais baratas, mais frequentes e mais seguras. Além disso o Luxemburgo está apenas a 2:30 de Portugal. Irei a Portugal (estava quase a escrever "casa", mas...) mais frequentemente. E espero que os meus amigos saibam também fazer a viagem em sentido contrário e nos venham visitar.

E quem sabe, não voltarei para a minha casa original num qualquer Outubro.


Nota: Esta não é uma carta ao Presidente da República.