quinta-feira, novembro 05, 2009

Peter Murphy's Not Dead

Em conversa com um amigo, e falando acerca do concerto do Peter Murphy, ele disse-me "Ouve coisas novas. Esse gajo já vai a qualquer lado!"... Pois! Foi isso que eu pensei quando vi o cartaz do concerto há umas semanas atrás colado na parede do Mercado Negro. Mas depois pensei nos tempos em que os concertos em Portugal eram escassos e só existiam em Lisboa e, algumas vezes, no Porto (aliás se seguirem os links podem ver que o Blitz só seguiu os outros concertos). Pensei que para que haja mais concertos noutros locais é necessário que haja público e por isso não podia deixar de o ir ver.

Por outro lado sempre disse, em tom jocoso, aos meus amigos que iam ver grupos acabados (ex: The Doors ou os INXS no Festival Dunas de S. Jacinto em 2003) que "para ver mortos vou ao cemitério". E um concerto mais intimista do rei do gótico podia ser interessante, mas já não ouvia nada novo dele há bastante tempo e podia ser um desastre fúnebre. Mas o Bela Lugosi pode estar morto, mas o Peter Murphy (mesmo que com algumas gorduras) ainda está muito vivo.

Cheguei ao concerto mesmo a tempo de me aperceber que me tinham arranjado bilhetes para a primeira fila (quando resolvi ir ao concerto já este estava esgotado e então tive que recorrer a alguns contactos para ver se ainda conseguia estar presente). Sentei-me, depois de uma curta conversa com uns amigos, e já estava a Lettie em palco. Nem tempo tive para agarrar uma bebida no bar.

A Lettie é uma one-woman-band londrina, embora escocesa (de Glasgow) como se nota pelo sotaque. Com uma voz entre a Dido e a Aimee Man, e toca desde teclas, guitarra e o pedal de eco que massacra constantemente com os seus saltos altos. O seu som faz-me lembrar muitas coisas desde Anne Clark a algumas coisas da 4AD, passando por um pop-folk feminino das meninas acima mencionadas. É complicado estar a tocar tanta coisa ao mesmo tempo, atrás de um teclado, e ainda ter uma presença em palco, mas ela tenta (e as meias de renda ajudam). No final deixou a sala com um saborzinho suave e doce de uma brisa matinal britânica. Melancólico mas agradável.

Quando entrou o Peter Murphy as memórias da Lettie depressa foram "varridas" por uma parede de som de guitarras, bem alto e demolidor. O homem e a sua banda entraram a "rasgar" de tal modo que mal se ouvia a voz do senhor. A sala encheu-se de um "rugido" saído das guitarras do Mark G. Thwaite (The Mission/Tricky) e John Andrews (Vast Earth Orchestra) suportado por um baixo limpinho do Jeff Schartoff (Human Waste Project/Professional Murder Music) e a bateria expressiva do Nick Lucero (Queens of the Stone Age/The Flys). A garra era tanta que no final do primeiro tema já Mark G. Thwaite (a vedeta número dois da companhia) tinha que mudar a sua Gibson porque já tinha uma corda partida.

Mas era complicado mover um público sentado tocando temas novos, mesmo que com muita garra. Mas o espectáculo foi acontecendo em crescendo, com o primeiro aquecimento após a primeira versão da noite de um tema de John Lennon - "Instant Karma" - seguido de um dos Roxy Music - "In Every Dream Home A Heartache" - e dois temas mais conhecidos em modo acústico - "Marlene Dietrich's Favourite Poem" e "Time Has Got Nothing to Do with It".

E depois de uns temas novos e outros menos conhecidos - "Too Much 21st Century" dos Bauhaus deve ter passado despercebido em quem não conhece bem a sua discografia - a primeira parte do concerto acabou. Claro que aí o público levantou-se e reclamou um encore que prontamente foi atendido. E quando a banda voltou ao palco pela segunda vez é que começou verdadeiramente o espectáculo que o público queria ouvir e para o qual tinha pago o bilhete. A casa começou a tremer quando começaram os primeiros acordes do "She's In Parties", mas continuava tudo sentado.

Eu tinha alguma vergonha de me pôr de pé e estive a controlar-me o tema toda, porque a vontade de saltar e dançar era imensa. Mas o respeito pelas filas de trás impunha que me mantivesse sentado. Quase desfiz o sapato com a baqueta que o baterista arremessou para a plateia no final da primeira parte do concerto e que eu vitoriosamente consegui apanhar. Mas depois da chamada para o segundo encore, quando se ouviram os primeiros acordes do tema "Cuts You Up" só disse "Que se lixe!" e não mais me sentei... Eu e a sala toda!

Seguiu-se a apoteose do concerto com temas como "Ziggy Stardust" de David Bowie e "Transmission" dos Joy Division, levando o público ao rubro. Para terminar a banda deitou-se no chão (à minha frente) e Peter Murphy cantou sozinho e quase a capela "Space Oddity" do David Bowie, acalmando o público. Ainda se pediu mais um encore, mas já não houve mais música...

Depois ainda fui procurar um autógrafo do Peter Murphy e comprei os CDs da Lettie (que tenho ouvido insistentemente). Estive a falar com o baixista sobre a sensação de tocar as linhas de baixo do Peter Hook e ainda troquei duas frases com o guitarrista John Andrews (que me fez lembrar muito o Brian Molko dos Placebo). Para acabar a noite, e enquanto me dava um autógrafo, disse ao Peter Murphy que era a terceira vez que o via a solo. Ele perguntou onde e quando e ficou surpreendido por o ter visto em São Francisco há quase 10 anos atrás. A verdade é que só vejo concertos dele de 10 em 10 anos - 23 de Setembro de 1990 no "Strange Kind Of Love Tour" no Coliseu do Porto, 2 de Março de 2000 no "Peter Murphy Tour 2000" no The Warfield em São Francisco e agora a 30 de Outubro de 2009 no "Secret Cover Tour" no Centro Cultural de Ílhavo. Pelo meio, ficou o concerto do "Resurrection Tour" dos Bauhaus a 15 de Novembro de 1998 no Coliseu do Porto (o último da digressão).

Vêmo-nos em 2019!



Alinhamento do concerto:
"Things to Remember"
"Velocity Bird"
"Peace To Each"
"Disappearing"
"Memory Go"
"I'll Fall With Your Knife"
"Instant Karma" (John Lennon)
"In Every Dream Home A Heartache" (Roxy Music)
"Marlene Dietrich's Favourite Poem"
"Time Has Got Nothing to Do with It"
"Secret Silk Society"
"Too Much 21st Century" (Bauhaus)
"Secret"
"The Prince And Old Lady Shade"
"Deep Ocean Vast Sea"
" Uneven and brittle"
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"Strange Kind of Love" / "Bela Lugosi’s Dead" (Bauhaus)
"She's In Parties" (Bauhaus)
"Gliding Like a Whale"
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"Cuts You Up"
"Ziggy Stardust" (David Bowie)
"Transmission" (Joy Division)
"Space Oddity" (David Bowie)