terça-feira, novembro 27, 2012

terça-feira, novembro 13, 2012

quarta-feira, novembro 07, 2012

O Quotidiano (no Luxemburgo) - As Guerras

Guerra Civil Espanhola

Quando soube que vinha para o Luxemburgo, e depois de decidir vir de carro desde Portugal, escolhi uma rota que me permitisse fazê-lo sem grandes stresses, de maneira a fazer pausas, sem fazer muitos mais que 800 quilómetros por dia e com umas geocaches pelo caminho. E foi assim que marquei a viagem no meu GPS, de cache em cache, desde Aveiro até San Sebastian, no primeiro dia.

Antes de chegar a San Sebastian parei no Parque Natural de Urbasa-Andia ao Norte da Comunidade Foral de Navarra para uma pausa na viagem e para tentar encontrar uma cache que me tinha chamado a atenção. Era uma homenagem a republicanos e bascos mortos pelas forças do Franco em 1936, aquando da Guerra Civil Espanhola. As montanhas são de calcário e há grutas e algares em todo o lado, e os soldados ou apoiantes nacionalistas aproveitaram-se desses acidentes naturais para fazerem desaparecer os corpos dos assassinados.

Porém a paz que se sente naquele lugar em nada tem a ver com memórias desses assassinatos. A estrada sinuosa que me levou lá fez-me lembrar a Serra de Aires e Candeeiros pela semelhança da estrutura calcária. Mas quando se entra na zona de bosque e vemos burros selvagens a pastar, com uma neblina que estava naquela altura, parece que estamos num reino encantado.

Durante quase todo o tempo que ali estive à procura da cache não vi nenhum ser humano. Apenas se ouviam badalos das ovelhas ao longe.

Como estava sozinho, quando voltei à estrada principal e até chegar a San Sebastian, comecei a pensar qual foi a última guerra civil em Portugal. Provavelmente já não temos uma guerra civil e nem uma guerra em território nacional há quase 180 anos, desde a guerra entre os liberais e absolutistas que terminou em 1834. Ok! Tivemos a guerra no ultramar, e se calhar alguns vão-me dizer que era território nacional, mas eu estava a pensar naquele que é actualmente o território nacional.



Primeira Guerra Mundial

No último dia da viagem atravessei os campos de batalha de Verdun, já muito perto da fronteira com o Luxemburgo. Para quem não sabe, a batalha de Verdun, na Primeira Guerra Mundial, é ainda hoje considerada a mais longa e uma das mais mortíferas batalhas de todos os tempos. Opôs os exércitos alemães e franceses durante quase 10 meses, de 21 de Fevereiro a 18 de Dezembro de 1916. Estima-se que terão morrido mais de 700 mil soldados no total, com uma média de 70000 por cada mês e mais de 2000 vítimas por cada dia de batalha [N.R.: Morreram menos de 2000 americanos no Afeganistão desde a sua invasão em 2001].

Quando parei no memorial ali erigido em memória das vítimas estavam lá 3 alemães. Um deles envergava uma t-shirt de uma associação internacional das famílias vítimas da batalha de Verdun, ou qualquer coisa do género. Não tive tempo de visitar as trincheiras, ou o que resta delas, mas passei por alguns cemitérios cravados de cruzes brancas e li algumas histórias sobre os acontecimentos.

No local não temos noção nenhuma das atrocidades que ali se passaram, porque se respira paz. Mas um soldado francês escreveu, em Maio de 1916: "A humanidade está louca. Tem que estar louca para fazer o que está a fazer. Que massacre! Que cenas de horror e carnificina! Não encontro palavras para exprimir o que sinto. O Inferno não pode ser tão terrível. O Homem está louco!"

O Corpo Expedicionário Português lutou mais a ocidente dali, na Flandres (Bélgica) e só entraram em acção depois da Batalha de Verdun ter acabado. Apesar de ter sido quase dizimado e esquecido pelo seu próprio país que na altura sofria algumas voltas e reviravoltas no governo.

A verdade é que para o bem e para o mal, nós, os portugueses, vivemos afastados destes centros de decisão e conflito. E pelos vistos também alienados no que concerne às razões por detrás destas guerras. Vejo vantagens e desvantagens em ambos os lados desta visão ou falta dela.



Segunda Guerra Mundial I

Num dos fins-de-semana que estava sozinho, aqui no Luxemburgo fui dar uma volta de bicicleta pelas redondezas da nossa nova casa. E, nessa volta, passei pelo cemitério americano e alemão das vítimas da Segunda Guerra Mundial.

É engraçado ver como os vencedores escrevem a história e têm uma exposição muito maior que os derrotados. Terão os soldados alemães sido responsáveis pelas ordens dadas pelos seus oficiais, ou os seus governantes e por isso terão menos honras que os seus conformes mortos americanos? A verdade é que no cemitério americano estão enterrados 5076 soldados americanos (sendo o mais famoso o General Patton) e no alemão estão aproximadamente 10 900, num espaço provavelmente 3 vezes mais pequeno. Cada cruz no cemitério alemão tem 4 nomes, dois de cada lado da placa (quando os tem, porque algumas vezes de um dos lados diz apenas "Zwei Deutscher Soldat"). No cemitério americano cada soldado americano tem uma cruz ou uma estrela de David.

De um lado nota-se a pompa, a ostentação e a propaganda própria dos americanos e dos vencedores, do outro, o lado sombrio, pragmático e austero dos alemães e dos derrotados. Não sei sinceramente de qual gostei mais. Acho que os mortos, depois deste tempo todo, são mais respeitados e têm mais honra no lado alemão. Pelo menos não servem de propaganda e fazem o seu papel de transmissores de uma mensagem de paz.



Segunda Guerra Mundial II

No último dos fins-de-semana que estive sozinho, resolvi ver as caches com mais votos na região e fui tentar encontrá-la. A cache estava escondida dentro de um bunker na infame Linha Maginot. Uma linha de fortificações, casamatas, postos de observação e abrigos ligados através mais de 100 quilómetros de túneis e construídos pelos franceses para prevenir uma eventual invasão alemã e situada ao longo da fronteira entre os dois países (entre a Suíça e o Luxemburgo). Para a sua construção, que durou quase 10 anos (até 1939), o ministério da defesa francês gastou quase todos os fundos que tinha e esquecendo-se de equipar as suas tropas.

Em Maio de 1940, o exército alemão invadiu a Bélgica, contornando assim a Linha Maginot e seis semanas depois conquistava a França. A Linha Maginot é ainda hoje o maior exemplo de um erro táctico. Mas é um monumento... Ao desperdício bélico.

Assim, fui até à Lorena perto de uma terra (cujo nome já foi alemão) chamada Kemplich e entrei num bunker da Linha Maginot. Sem saber muito bem o que me esperava, desci 6 (sim, seis) andares de escada no subsolo até encontrar um corredor onde num dos lados ficavam as camaratas dos soldados e do outro as casas-de-banho. As estruturas metálicas das camas e os lavatórios ainda lá estão. Chegando ao outro lado do túnel, e sem entrar noutros túneis que lá havia e que provavelmente ligariam a outros bunkers, mas que não tinha a certeza de serem seguros, subi os seis andares até ao outro bunker onde estaria a cache. Havia salas de comunicações, postos de vigia, buracos para canhões e metralhadoras, geradores e aquecimento. Sim! Havia aquecimento...

Nesse dia entrei em 5 bunkers em diferentes áreas em volta de Kemplich. Por isso imagino que possam existir mais por ali, das mais de 600 fortificações que as constituíam. Existe mesmo uma delas que se pode visitar no Forte de Hackenberg, onde até se garante aos visitantes uma temperatura de 12o C durante todo o ano.

Quando voltei, houve um colega meu que me perguntou se eu era fã da guerra, porque falei em Verdun e fui visitar a Linha Maginot. Mas não... Longe de mim ser fã de guerras. A verdade é que para um português, como eu, a guerra é uma coisa distante. Apesar de ter que deixar o país onde nasci por causa de uma guerra, a verdade é que raramente estive na presença de artefactos ou resultados de guerras tão presentes ou actuais sem ser castelos ou fortes medievais. Estive em Mostar e Dubrovnik há uns anos, mas os sinais de guerra foram quase todos apagados (não sei se para se esquecerem...).

É impressionante ver como, às vezes, a humanidade é mesmo inumana e constrói coisas para se destruir. Em nome do quê?

Sorte a nossa estarmos longe destas coisas… Ou não estaremos?