terça-feira, fevereiro 15, 2005

Liberdade, tempo útil e tempo de qualidade

Estar fechado num escritório, pelo menos, 8 horas por dia faz com que a minha noção de liberdade mude. Todos os segundos que passo fora destas quatro paredes são muito valiosos. Há quem me pergunte como é que eu tenho tempo para fazer tudo o que faço e cada vez mais ando a chegar à conclusão que o meu tempo é-me muito valioso e que não o posso desperdiçar. Por essa razão faço o máximo possível, daquilo que gosto, no mínimo tempo que tenho. Porque no resto do tempo faço o que não gosto, mas que sou obrigado a fazer. Por isso, me enerva e entristece-me quando sou "obrigado" a estar num sítio onde me sinta desconfortável ou a "gastar" o meu precioso tempo a fazer coisas que considero "menores", adiáveis ou desnecessárias.

Quanto mais tempo passo num escritório, mais compreendo o Franz Kafka. Eu sou daqueles que acredita que o tipo tinha um verdadeiro sentido de humor e só olhando com um humor corrosivo se pode sobreviver neste submundo dos escritórios. (Ainda hoje dei comigo a olhar à volta e a rir-me porque "A minha vida dava um filme dos Marretas".)

Ultimamente dou comigo a deixar que os outros giram as minhas tarefas diárias no escritório, sem questionar. Aceito as tarefas e avalio, apenas, até que ponto as pessoas conseguem inventar trabalho quando ele não existe e como conseguem atribuir tarefas sem sequer saberem de que estão a falar. E o mais impressionante é ver como as tarefas são atribuídas sem noção de objectivos a atingir ou de prazos a cumprir. Na verdade a realidade de um escritório é kafkiana. E o pior é que se não fazemos as tarefas habilitamo-nos a'"O Processo".

É por todas estas razões que me questiono todos os dias "O que faço eu aqui?" e quando daqui saio só me apetece fugir. Fugir para um sítio onde goste de estar, com pessoas de quem gosto de estar e fazer coisas de que gosto. Não quer dizer que "aqui" tudo seja mau. Não! Aliás tenho estado muito com colegas de escritório fora das horas de trabalho, mas a fazer coisas de que todos gostamos. E aliás, ultimamente já nem falamos do "escritório", aquele bicho que nos suga a juventude e nos corrói até aos ossos. Qual quimera!

Mas o Belerofonte desta história, é aquilo que os ingleses chamam de quality time. Aquele tempo útil em que realmente temos qualidade de vida, ou dedicamos àquilo que realmente gostamos ou a quem gostamos. E ultimamente tenho tido algum tempo de qualidade dedicado àqueles de quem gosto mas pouco tempo para dedicar a mim mesmo e sinto muita falta disso. Não que não faça coisas que goste mas falta-me tempo para mim. Tempo para estar comigo!

Ontem, dia dos namorados, na rádio alguém dizia que ia dedicar o dia a ele próprio, a pessoa que mais amava. Que ia com ele próprio jantar fora e depois iam "os dois" ao cinema... Não comento os gostos cinéfilos do tipo, mas de certa maneira ele tinha razão, porque dedicar um bocado de tempo a nós próprios é essencial.

Quando era mais novo e, finalmente, tive um quarto só para mim, passava muito tempo comigo. Tinha mais de 200 cassetes de música e meia centena de discos de vinil, sabia as letras das minhas músicas preferidas e lia muito. Mas acima de tudo passava muito tempo comigo. Quando fui para os Estados Unidos, Japão ou Inglaterra passei muito tempo comigo. Se estar só muito tempo não é bom, estar comigo algum tempo é muito bom.

Mas se não tenho tido tempo ou não tenho dedicado tempo a mim, a culpa é minha e só minha. Porque aceito ir fazer coisas de que gosto (andar de bicicleta ou beber um copo) com uns amigos ou porque convido pessoas de que gosto a virem passar algum tempo comigo. Ou porque simplesmente acho que tenho sempre algo mais a aprender e inscrevi-me em dois cursos em regime pós-laboral que me "rouba" tempo precioso.

E o facto de andar de Laura (a Vespa), se por um lado me dá mais liberdade, faz com que tenha sempre mais pressa e isso faz com que tenha menos paz de espírito para me sentar comigo, ouvir um disco e ler um livro nas calmas, porque estou sempre a correr para outro lado. Mesmo o Yoga não me tem dado essa paz, porque a minha prática matinal é curta e, com a formação, não tenho ido às aulas. O que me faria, de novo, andar a correr.

Sinto falta de estar só, comigo! Do silêncio... De caminhar pelas ruas da cidade e observar as pessoas. De apenas estar. De sentir que existo em mim e não só existo para os outros. Sinto falta de me ditar! De meditar!

Quando coloco os auscultadores para me concentrar em mim, aqui no escritório, logo aparece alguém que tem uma dúvida inadiável, uma conversa que não pode esperar ou uma reunião que tem de ser AGORA. Enquanto escrevia isto, que demoraria cerca de 15m sem interrupções, fui interrompido pelo menos uma meia dúzia de vezes. E ainda o estou a escrever... Em vez de estar comigo!

Posso?

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