quarta-feira, fevereiro 09, 2005

A minha vida dava um filme do Emir Kusturica

Na segunda-feira [7 de Fevereiro de 2005], véspera de Carnaval, na senda de uma farmácia de serviço permanente, eu e a Cláudia, fomos até à Gafanha da Nazaré. Uma expedição à CIDADE da Gafanha da Nazaré dava bastantes argumentos para persuadir Emir Kusturika a realizar um filme em Portugal. O ambiente é em tudo semelhante à sua ex-Juguslávia. Senão vejamos...

Qualquer visita aos Estados Unidos das Gafanhas (de Aquém, da Boa Vista, da Nazaré, da Encarnação e do Carmo) é uma aventura de carácter surrealista. A maioria da população é de origem humildes e gente do mar. Gente que em tempos navegavam, meses a fio, num bacalhoeiro em terras geladas, muito a Norte, para que não faltasse o bacalhau na mesa dos portugueses. Gente rude, que viviam isolados pelas águas da ria, e que ultimamente sofrem a invasão dos "simprinhas" da cidade que rumam ali à procura de casa mais barata. É o preço a pagar pelo progresso e pela IP5.

Mas naquele fim de tarde, início de noite, véspera de Carnaval, quando virámos para a Avenida José Estêvão, que corta a cidade de Este a Oeste, depois de atravessar os armazéns de bacalhau do terminal portuário, tudo pareceu muito diferente. Logo no início da Avenida uma cena de pancadaria. Quando vimos um grupo de pessoas, e sem reparar na zaragata, pensámos em parar para indagar pela farmácia. Mas estávamos à procura de uma farmácia, e não nos interessava ir parar ao hospital.

Um jovem gesticulava com um pão, enquanto as mulheres berravam e o levavam dali. Ele fazia força para voltar e medir forças com o outro macho, que calmamente fazia de conta que nada era com ele. Na verdade pouco vimos da cena, porque andámos em frente pela Avenida, que parecia ser em Sarajevo, depois de um bombardeamento Sérvio. Aliás desde o Porto Marítimo que o ambiente era de um pós-bombardeamento, sem luzes e com crateras no asfalto.

Mais à frente paro junto a um casal de idade, para perguntar pela farmácia. Ele tinha ar de pescador aposentado, de camisola de lã. Ela tinha ar de vareira aposentada. A Cláudia baixa o vidro:
- Olhe desculpe, sabe me dizer onde é a farmácia?
O homem seguiu o seu caminho como se nada passasse, mas a mulher que seguia mais atrás, parou e com uma voz muito rouca, perguntou:
- O quê? - mal se fazendo ouvir. Ao que a Cláudia repete:
- A farmácia...
No entretanto, o homem vendo que já não era perseguido pela mulher, volta-se e grita:
- O QUE É?
A mulher fazendo um esforço enorme para levantar a voz, repete ao mesmo tempo que a Cláudia:
- A FARMÁCIA...
- Ah! É MESMO LOGO A SEGUIR À IGREJA. - diz o homem de maneira que toda a gente fique a saber onde é a farmácia mais próxima.
A mulher abana a cabeça em sinal de afirmação, pois devia de ter dado cabo da pouca voz que ainda lhe restava. Sim, porque viver com um surdo e estar rouca deve ser um grande problema.

Seguimos até à igreja! A farmácia estava fechada, mas havia uma de serviço na mesma Avenida, com o nome de Farmácia Branco. Seguimos à procura! Sempre até ao fim da Avenida. Uns dois quilómetros de rua esburacada e quase sem gente na rua.

Finalmente no fim da Avenida um par de homens com uns sacos de compras que nos podiam ajudar.
- Olhe desculpe, sabe me dizer onde é a farmácia? - pergunto.
Os homens sorriem e respondem:
- Nou, Portugal? - com um belo sotaque ucraniano do Sul.

Voltámos para trás e começámos a fazer a Avenida em sentido contrário. Até que encontrámos alguém que nos disse:
- Vai sempre a direito! Não te desvias! Passa a GNR e 100m depois, do lado direito há-de aparecer escrito "Farmácia Branco". Não te desvias! Vai sempre a direito! Não te desvias!
Não me desviei, passei a GNR e não vi a "Farmácia Branco", porque esta estava fechada e com as luzes apagadas. Do outro lado da rua da cena de pancadaria do início da história.

Gato Preto Gato Branco

Naquele momento pareceu-me ouvir um porco a comer a chapa do meu carro.

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