Quando 1980 começou, eu estava na Escola Preparatória da Maia, no 1º ano do ensino preparatório. Tinha saído da escola primária ao lado da minha casa e fazia todos os dias 30 minutos de autocarro (o 54 dos STCP) para chegar à escola, lá longe no centro do concelho da Maia. Tudo era uma aventura para um rapazito de 10 anos. O ano acabou com a morte de Francisco Sá Carneiro. Lembro-me claramente de não haver aulas porque o nosso primeiro-ministro tinha morrido num acidente de avião.
Ela chamava-se Elsa.
1981 trouxe a minha primeira negativa (a Português) porque a professora achou que eu tinha copiado no teste (o único que ela deu, porque chegou tarde). Para um aluno de 4s e 5s, ter um 2 foi um choque nunca mais remendado, mesmo depois da professora ter pedido desculpa à minha mãe. Adorava Educação Visual e a professora adorava-me. Detestava Educação Física.
Em 1982, tinha passado para a Escola Secundária da Maia, para o 7º ano de escolaridade. Era o puto mais pequeno da sala sem jeito para o futebol e que tinha escolhido trabalhar em barro em Educação Visual (o que levou o meu irmão a chamar-me burro porque a arte nunca me levaria a lado nenhum). (In)Felizmente fui para Electricidade. Passei a estudar Inglês e deixei de ter Religião e Moral. Tive a minha segunda negativa (a Francês). Nesse ano ganhei a minha bicicleta BMX Tip Top num sorteio ligado ao programa do Topo Gigio. Nunca mais deixei de andar de bicicleta.
Continuei na Maia por mais dois anos. A minha turma do 8º era má, mas o do 9º era do pior. Era a turma de Electrotecnia da escola. Não é que fossem alunos problemáticos mas eram maus alunos e eu, a par com o Manuel e a Isabel éramos os melhores alunos da turma. Se calhar não era difícil. Nessa altura senti pela primeira vez um tremor de terra. Foi numa aula de Física-Química.
Já não tenho contacto nenhum com os meus colegas desse tempo.
Nos finais de 1984 fui estudar para a grande cidade. Em busca do sonho de ser Engenheiro de Electrónica, mudei para a Escola Secundária Fontes Pereira de Melo. Queria seguir o meu irmão. Ele era o modelo da família e eu não me importava de ir atrás. Mas eu escolhi fazê-lo indo para electrónica desde o início (o meu irmão andou em electrotecnia).
Depois de uma confusão com a matrícula e a transferência, entrei para a única escola pública do norte que leccionava electrónica. Para isso contaram as minhas notas a Matemática, Física-Química e Electricidade. Não havia Educação Física para os alunos do 10º, o que também era do meu agrado. Tinha um professor de Filosofia que era cego, mas que não ficou até final do ano. E, a minha turma tinha apenas duas raparigas, a Isabel Cláudia e a Susana. Conheci o Miguel e o Cândido que ainda hoje me tratam por canário graças ao meu "kispo" amarelo.
Esses dois anos que passei no Fontes na rua do Breyner foram provavelmente os melhores anos da minha adolescência. Saí da aldeia de Gueifães, da vila da Maia e fui para a cidade do Porto. As ruas estavam cheias de gente, as aventuras eram outras e os interesses começaram a mudar. Comecei a ouvir música e a ler. Interessei-me por cinema e por espraiar num café na conversa. Ainda me lembro de fazer horas de autocarro para ir a casa do Miguel para ouvir o In the Flat Field dos Bauhaus e ver o Apocalypse Now. Lembro de achar que o Cândido era maluco por ouvir uma banda nova super barulhenta chamada The Jesus and Mary Chain. E, de testar a sua aparelhagem nova com Stockhausen aos berros de maneira que a irmã quase nos matava.
Ao sábado de manhã íamos para a feira da Vandoma, nem que não tivéssemos nada para vender. Só para lá estar embebido naquele ambiente. Comecei a usar o casaco de fato preto do meu pai. Era magríssimo e adorava os The Smiths. Sonhava em ir a Londres. Era "urbano-depressivo".
No 12º ano e apesar de continuar no Fontes Pereira de Melo, tive que mudar, no final de 1986, para as novas instalações no Bessa. Fiz o 12º ano de dia, por opção dos meus pais, e todos os meus colegas foram para a noite, ficando nas instalações da rua do Breyner. De novo tive que fazer novos amigos. Agora era mais difícil, pois a escola apenas tinha 12º, 7º, 8º e 9º tornando a diferença de idade uma barreira. Além disso a competição entre os alunos do 12º era maior e o escasso número de horas de aulas não deixava que nos aproximássemos. Desse tempo apenas me sobra o contacto do Ferreirinha, que quase sempre encontro no aeroporto Francisco Sá Carneiro, pois trabalha lá.
Em 1987 nevou no quintal de casa, numa tarde quarta-feira, enquanto estudava matemática. Comecei a sair nas matinés de domingo. Ia ao Nabucco ou ao Lá-Lá-Lá no Dallas. Gostava de rock-a-billy, do gótico e sobretudo de Joy Division. Deixei de usar o cabelo comprido para passar a usá-lo quase rapado com uma pala à frente. Tinha más companhias, mas divertia-me à brava.
Ela chamava-se Susana e era ruiva.
Entrei na Universidade.
Em 1987 entrei em Física na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, porque por três décimas não entrei em Aveiro, em Engenharia Electrónica. No início fiquei triste, mas quando mudei finalmente para Aveiro, em 1989, chorei.
No primeiro ano do curso não me misturei bem na vida académica. Eu estava noutra onda, numa de matinés punks de domingo no Dallas. Andava com pessoas sem muitos interesses na vida. Vivia em casa dos meus pais e nem tinha muita autorização para sair à noite. Organizava festas de Passagem-de-Ano e Carnaval na vizinhança. Mas as coisas mudaram para os meados de 1988. Mudei de companhias e passei a frequentar o Luís Armastrondo na Ribeira. À noite! Comecei a beber cerveja a sério e chegava a casa no último autocarro da noite. Ao fim de semana apanhava as minhas bebedeiras.
Claro que fui praxado à entrada da faculdade, mas nem sei porque nunca me cortaram a pala. Fui eleito o caloiro do ano e tinha uma madrinha chamada Ana Paula.
Conheci a Cláudia (nem imaginava que alguma vez nos iriamos casar e quase 10 anos depois).
1989 foi o ano em que me fiz mais homem. Também com 20 anos convinha. Comecei a namorar com a Carla e conheci logo a família toda. Com o final do ano veio o fim da nossa relação. Eu fui para Aveiro e deixei tudo para trás. Tenho pena de ter perdido o contacto com ela, mas mantive o contacto com a maioria dos meus colegas de Física e Engenharia Geográfica. Aliás este fim-de-semana encontrei o Paulo "Mancha Negra" (vestia sempre e sem excepção de negro) e ele é que me falou que faziam 17 anos que tínhamos entrado para a universidade.
Em 1989 caiu o muro de Berlim e o mundo, como sempre o conheci, começou a mudar. Em 10 anos mudei de escola 7 vezes, mudei de amigos e de lugares. Cresci. Tive tristezas, mas só me lembro das alegrias. As décadas que se seguiram trouxeram alegrias maiores, mas nenhuma década foi tão boa como a dos 80.
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