“É engraçado como, por vezes, os encadeamentos lógicos de acções, ao princípio banais, atingem, por vezes, proporções gigantescas.” Assim dizem os Ena Pá 2000, já vai para 20 anos!
Isto tudo para vos contar uma história que se passou há cerca de um ano e meio e que fez com que conhecesse o Ken e a Sue, um casal de ingleses que um dia se encantaram como o nosso país e com a simplicidade de viver numa casa perdida no meio da montanha, no sítio que, para nós, parece o menos provável possível.
Em Julho de 2002, à entrada da manga de acesso para o avião da TAP que me iria trazer de Heathrow para o Porto, enquanto esperava que o tipo do altifalante chamasse a minha fila, apareceu um bando de gente extravagante e bonita. Eram os Lamb, que vinham actuar ao Festival de Vilar de Mouros, nesse fim-de-semana.
A Louise Rhodes é uma mulher mesmo muito bonita e simpática. Vista à distância, num concerto, parece um anjo com voz de demónio. Porém, ao perto é um ser verdadeiramente angélico. Sim, porque eu fui pedir-lhes um autografo, a ela e ao Andy Barlow, que ainda hoje guardo no cartão de embarque. E claro que falámos da célebre passagem deles pelo festival de Paredes de Coura em 1999, em que o Andy decidiu pegar-se à pancada com os roadies dos Suede.
Voltando ao meu lugar de espera pelo embarque, perguntei a um casal de ingleses que ali estavam se já tinham chamado a minha fila (sim, em Heathrow às vezes chamam por filas) e o tipo, de cara de brincalhão, típico inglês, disse com ar de gozo que apenas chamaram as crianças, porque elas eram as primeiras a saltar em caso de acidente. Foi o começo de uma amizade que ainda hoje persiste.
Eles não eram do tipo calado e eu, como viajante só, estava com vontade de falar com pessoas, de outras coisas que não fosse trabalho, uma vez que era por isso que ali me encontrava. A conversa começou com o normal “De onde és?” ao que respondi “De Portugal”... Eles riram-se porque pelos vistos, se era evidente que eles eram ingleses, eu também não deixava dúvidas de que era português. Mas, quando disse que era de Aveiro a surpresa ainda foi maior, pois eles iam precisamente para a região, onde estavam a tratar de construir uma casa.
Eles estavam fascinados com Portugal e sobretudo com o lugar onde iam construir a casa, de seu nome Alombada. Chegaram-me a dizer “I Love Angeja”, que para mim ultrapassava todos os limites do fascínio, pois Angeja é possivelmente a aldeia mais sem graça possível do concelho de Albergaria-a-Velha, ali mesmo ao lado do IP5, esmagada entre o Vouga e a montanha. Aliás a conversa nasceu precisamente porque a única coisa que Angeja tem de interessante é o melhor tasco de Leitão do país, batendo aos pontos qualquer outro que conheçam. Imaginem uma verdadeira tasca, cujo dono assa leitão e que fica precisamente a meio da normal volta de BTT. (Apontem Casa dos Leitões 234 911 259)
Mas, voltando ao Ken e à Sue. Desde essa altura já nos encontrámos em Reading por duas vezes, uma vez que eles viviam em Basingstoke (a apenas 30km) e desde à quatro meses que vivem na Alombada. Ah! Esqueci-me de vos contar que Alombada é um lugarejo com meia dúzia de casas, no meio de um eucaliptal e cujo nome deve ter evoluído do facto de que a subida para lá chegar é mesmo íngreme e que dava cabo do lombo, de qualquer um, lá chegar. A mim doeu-me, quando lá passei de BTT há uns anos e quando a estrada ainda não era alcatroada. Ainda hoje entre os praticantes de BTT da altura, se fala do cruzeiro que tem no cimo da subida e que nos fazia pensar que tínhamos chegado ao purgatório, tal era a dificuldade da subida.
Ontem fomos jantar lá a casa um belo de um caril (o prato mais tradicional inglês nos dias de hoje) e beber um vinho novo de uva americana, uma coisa que já não se vê em qualquer lado. Aliás a Sue pensou, da última vez que lá estivemos, que não tínhamos gostado do vinho, tal foi a nossa surpresa quando o provámos. Já não bebia um néctar daqueles desde os meus tempos de miúdo.
Como vêm coisas simples como uma conversa no corredor de embarque à entrada de um avião, onde estão centenas de pessoas, no aeroporto mais movimentado da Europa, pode resultar em coisas agradáveis como uma amizade. Isto tudo para voltar a falar em mudanças de vida e em como as oportunidades se criam. O Ken e a Sue, um casal nos seus cinquentas, deixaram os filhos e decidiram viver em Portugal, onde iniciam de novo a vida ao criar um negócio de aluguer de casas a turistas, numa aldeia perdida lá nas montanhas de Águeda. E com sucesso, pois a casa ainda não está pronta e está alugada quase o verão todo. Só no mercado internacional.
Como vêm o meu sonho até tem viabilidade. Querem ser investidores?
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