terça-feira, novembro 29, 2005

Génios em fuga

Estar no sítio certo, no momento certo, pode mudar o rumo de uma vida. Há
dez anos, enquanto Ricardo Reis assistia a uma normal aula de inglês, alguém
entrou na sala para desafiar os alunos a estudar no estrangeiro e o jovem de
17 anos ficou logo com bichos carpinteiros. Quis saber tudo. Três anos
depois acabou a licenciatura em economia, na London School of Economics, no
Reino Unido, como melhor aluno da turma, e nunca mais parou. Foi para
Harvard tirar o doutoramento e hoje é professor na Universidade de
Princeton, nos Estados Unidos. Ricardo é um dos mais bem sucedidos jovens
portugueses no estrangeiro e sente "um certo sentido de dever para com o
país". Mas, pelo menos nos próximos cinco anos, não está no seu horizonte
voltar a Portugal. Até porque está onde deve estar: "Num ambiente
estimulante, com condições que não existem em Portugal". Ele e a mulher,
doutorada em sociologia e também professora em Princeton, vivem a cinco
minutos da faculdade, têm uma carga horária leve, um bom salário e estão "no
centro de tudo".
Ainda em Londres, Ricardo descobriu que queria seguir o ramo da investigação
e, por isso, sabia que tinha de estar onde tudo acontece: "À hora de almoço
falo sobre uma descoberta de um colega que pode influenciar o meu
trabalho...". O facto de Portugal ser o país da União Europeia que mais
cérebros "exporta" é explicado pelo jovem economista de uma forma simples:
"Temos um mercado de trabalho muito rígido, é muito difícil arranjar um
primeiro emprego que nos valorize. Também é muito difícil ser despedido e,
por isso, às tantas, há uma série de pessoas que não tem competência ou
valor, mas que estão a ocupar um lugar". Ricardo está convencido que, "para
pessoas novas e ambiciosas, é quase uma escolha normal sair de Portugal".

Entre estes jovens de que fala Ricardo está Susana Redondo que, na hora de
fazer as malas, não pensou duas vezes. "Não há mercado em Portugal, há
muitos compadrios e poucas oportunidades". Esta jovem portuguesa nunca foi
grande fã de futebol, mas há três anos que não pensa noutra coisa: trabalhou
no Euro 2004 e, como a experiência correu bem, saltou directamente para o
Euro 2008, que vai decorrer na Suíça e na Áustria. Susana já tinha estado lá
fora - estagiou em França, na Euronews - e o "bichinho ficou". Por isso não
hesitou em ir para a Suíça, onde está desde 1 de Julho a trabalhar na
organização do Euro 2008. Um evento, que segundo Susana, tem sido organizado
com a ajuda do bom exemplo português, que organizou o evento em 2004, mas
que se torna uma tarefa ainda mais árdua porque vai decorrer em dois países,
como aconteceu em 2000 (na Bélgica e na Holanda).
Susana já conhecia a Suíça e não se sentia fascinada pelo país. Mas, embora
sinta falta da família, não pensa voltar tão cedo porque " o mercado de
trabalho em Portugal é mais limitado". Não poupa críticas ao sistema
nacional, mas também não poupa elogios aos portugueses: "Se em Portugal
houvesse oportunidades seríamos os maiores", afirma com o seu sotaque
nortenho.

As oportunidades, ou melhor, a falta delas, são também a razão que levou
Ricardo Marvão a apostar numa carreira internacional. "Sempre gostei muito
de Portugal e acho que o país tem grande potencial, mas as grandes
oportunidades estão fora do país e é lá fora que os portugueses são cotados
ao mais alto nível". Ricardo já correu meio mundo - estudou nos Estados
Unidos, Áustria, Londres, Paris - e hoje, aos 27 anos, é dono da única
empresa portuguesa sediada no centro de operações da Agência Espacial
Europeia (ESA), em Frankfurt, na Alemanha.
Ainda há pouco tempo, este engenheiro informático esteve envolvido na
construção do Cryostat - um satélite europeu com o objectivo estudar o
aquecimento global da terra. A missão fracassou devido a uma falha no
foguetão russo, perderam-se 160 milhões de euros e vários anos de trabalho,
mas a ESA já decidiu que, dentro de três anos, será lançado o Cryostat 2.
Ricardo Marvão e sua empresa, a Oristeba, estarão novamente envolvidos no
projecto. Ricardo aterrou na ESA há dois anos para realizar um estágio, mas
três meses depois já lhe pediam para ficar na agência. Na altura, ele e o
actual sócio, Nuno Sebastião, perceberam que era viável criar uma empresa
para prestar serviços à ESA e mergulharam de cabeça no projecto. Depois de
vários contactos e estudos, e com o apoio do governo português, conseguiram
criar a Oristeba.
Ricardo tem "a certeza" que o seu "futuro passa por Portugal", mas não sabe
quando é que isso vai acontecer, já que o próximo ano será determinante para
o crescimento da Oristeba. É o primeiro ano em que Portugal está em
concorrência aberta e "tem que mostrar à Europa que é capaz. O nosso Governo
está atento. E tem que estar, senão perdemos o comboio".
Antes de se ter mudado para a Alemanha, Ricardo teve uma breve passagem pelo
mercado de trabalho português. As experiências na Portugal Telecom Inovação
e na Associação Industrial Portuguesa serviram para descobrir um dos
problemas do mundo laboral português. "Fora do país, o chefe de uma empresa
aposta num jovem e dá-lhe responsabilidade, em Portugal não é sequer dada
liberdade". E é claro que "os ordenados são muito superiores". Ricardo
acredita que os doutores emigrantes, "mais cedo ou mais tarde, regressam e
trazem mais-valias para o país". Na aventura de crescer profissionalmente
fora de Portugal há um pequeno senão: faltam "o sol, o mar, a família e os
amigos". E é quando a saudade bate que Ricardo apanha um avião e em três
horas se põe em Portugal.

Dizem, aliás, que a saudade é uma coisa muito portuguesa. Até Maria Miguel,
que não pensa em voltar, fica com a voz tremida quando recorda o cheiro a
maresia. Está na Suíça, bem longe do mar, com um cargo de topo numa empresa
de relojoaria, área onde os suíços são mestres. Partiu com 22 anos para
estudar na Suécia, ao abrigo do programa Erasmus, mal chegou a Portugal fez
novamente as malas para ir estagiar em Genebra. Partiu para ficar nove
meses, mas já está há três anos. Pouco depois de chegar foi convidada para
integrar os quadros da empresa e assumir um cargo de direcção. Embora
Genebra seja uma cidade que alberga várias multinacionais, não são assim
tantos os estrangeiros que chegam a um cargo de topo, talvez por isso Maria
já sentiu que na empresa a olharam com desconfiança. Mas, é um mal menor:
"As vantagens de estar no estrangeiro são intermináveis". Tantas que,
entretanto, Maria "convenceu" outros dois portugueses a juntarem-se à sua
equipa em Genebra.
Quando decidiu ir para a Suíça disseram-lhe que, na empresa para onde iria,
bastava dominar o inglês. Mas quando lá chegou percebeu que não era bem
assim e, como não dominava o francês, quase entrou em pânico. Mas tudo não
passou de um susto, Maria aprendeu a língua e nunca mais parou - aliás o seu
objectivo a médio prazo é partir para trabalhar noutro país e fazer um MBA.
Daniel Motta Veiga também suou as estopinhas para entender os colegas de
trabalho. Antes mesmo de tirar o curso, aos 18 anos, este designer gráfico
aterrou na Alemanha para trabalhar numa empresa de automóveis, mas não
entendia uma palavra do que os alemães diziam. "Disseram-me que durante três
meses podia falar inglês, mas depois disso só podia falar alemão". E assim
foi. Pouco tempo depois Daniel já dominava a língua, tão bem que ficou por
lá quase dois anos. E deu-se bem. Um dos seus projectos (transformação de um
Opel Tigra numa pick up) foi escolhido para o Salão Internacional de
Automóveis de Genebra - uma das mais importantes mostras da área.
Daniel acabou por voltar a Portugal para tirar a licenciatura em Design
Industrial, mas rapidamente decidiu partir de novo. Com um diploma na mão,
andou entre Madrid e Turim para conseguir um master e acabou por ficar em
Itália. Esteve envolvido em vários projectos da Fiat, Alfa Romeu e Lancia,
mas acabou na Pininfarina, uma das mais importantes empresas de design
industrial do mundo, onde está há cerca de dois anos e meio. Não pensa
voltar, até porque "o design industrial não é levado a sério em Portugal".
Daniel vem cerca de três vezes por ano a Lisboa matar saudades da família e
amigos. E quando Maomé não vai à montanha, a montanha vai a Maomé, de tal
forma que este ano Daniel conseguiu convencer os pais a ir passar o Natal a
Miami, cidade onde está neste momento a trabalhar ao serviço da Pininfarina.
Já Maria Madureira vem directamente dos antípodas, Austrália, para passar o
Natal com a família. A jovem gestora tem o espírito aventureiro no sangue, e
mais do que procurar uma brilhante carreira profissional, Maria tem andado a
saltar de país em país pelo gozo de conhecer novas gentes e novas culturas.
"Sei que posso estar a prejudicar a minha carreira, mas estou a valorizar-me
enquanto ser humano", justifica Maria. Depois de ter terminado o curso Maria
fez um estágio entre Portugal e Brasil, mas a dada altura decidiu ganhar
asas. Foi tirar um MBA para a Colômbia e depois decidiu viajar - andou em
São Paulo, Amesterdão, Nova Iorque e agora o seu poiso é Sidney, onde
trabalha numa empresa de consultadoria. No entanto, está certa que ainda há
caminho a fazer. "A média prazo quero ir para outro país e cada vez mais
penso que não será Portugal". Maria tem "orgulho" do seu país, mas sente que
em Portugal "somos todos muito semelhantes".

Por Mariana Adam
in Público

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