quarta-feira, julho 13, 2005

A minha vida dava um filme do Martin Scorsese

Há cerca de um mês fui a uma entrevista a Lisboa. Confesso que, para mim, Lisboa é uma das mais bonitas cidades que alguma vez visitei e conheci, à semelhança do Porto, embora em dimensões diferentes e com belezas distintas. Mas Lisboa é uma cidade, cheia de aldeias no seu interior, mas com muito cimento e cidades impessoais no seu interior, também.

A entrevista era em Alfragide e para lá chegar apanhei o metro até Amadora-Este, mesmo no centro de tudo o que Lisboa (e arredores) tem de pior. De um lado fica o Bairro Estrela d'África (não sei se viram o filme “Ossos” do Pedro Costa) e não muito longe, para o outro lado, fica a famosa Cova da Moura ou o não menos famoso Bairro 6 de Maio. E, para chegar ao local da entrevista apanhei um taxi, para atravessar outra zona complicada – a Reboleira – de que guardo boas memórias de infância e onde passei várias férias de Verão em casa dos meus avós paternos. E, aqui começa a aventura de andar de taxi em Lisboa.

Entro no taxi e peço para me levar a Alfragide, ao local da entrevista. Como é sabido, os taxistas em Lisboa têm a fama de levarem os seus clientes a fazerem uns passeios turísticos, enquanto o taxímetro conta, e por isso achei estranho que tomasse aquele caminho e disse “Esta zona é-me familiar! A minha avô morava ali naquele prédio” e apontei para o edifício onde em tempos moraram os meus avós, no 11º andar.

O homem que mal tinha falado desde que começou a corrida explicou que havia um acidente algures e que por ali, naquele momento, era mais rápido. E continuou, agora que a conversa tinha começado, “Isto até podia ser uma boa zona, mas... É só pretos!”. Estava dado o mote para o resto da viagem. “O senhor, de manhã, nem consegue perceber se os transportes públicos têm vidros fumados ou não. É só pretos lá dentro!” continuou ele.

Nisto entrámos no IC19, que àquela hora nem estava nada congestionado, como gosto de o ver na televisão, no telejornal da manhã, captado por aquelas câmaras de berma de estrada que só deixam ver a mancha de carros a arrastar-se em direcção a Lisboa. Na faixa da esquerda está um carro, em marcha relativamente lenta, a dar o pisca para passar à faixa da direita. O fogareiro (“taxista” em lisboeta) diz calmamente “Eu não faço crochet, não lavo a loiça e não cozinho, porque é que estas gajas vêem para aqui fazer isto?” e cola a mão na buzina, até que a coitada da condutora consegue que lhe dêem um espaço entre dois carros na faixa da direita para entrar.

Fui à minha entrevista (que por sinal não deu em nada) e quando voltei pedi um taxi, para me levar de volta à estação do Metro. E nova aventura...

Ao contrário do outro fogareiro (“andam sempre na brasa”) este falava. E falava muito! Mal entrei para o taxi, diz ele, “Mais de 20 anos na marinha e foi preciso vir para esta cidade para apanhar uma sinusite. Mas vai acabar já em Agosto, porque vou passar a sociedade e voltar para casa.” E lá me contou a história da vida dele... Até que entrámos na Reboleira e começou de novo, com os ensinamentos da Frente Nacional.

“Aqui é só pretos! Tudo o que não querem em Lisboa vem parar aqui”. E veio à baila o facto de que nessa noite houve o assassínio de um taxista no Porto. Ao que ele diz, “Pois quando aqui entram três pretos, nunca sabemos onde vai acabar a corrida. Mas de uma coisa pode crer, aí onde está sentado, nunca um preto se sentou, comigo a conduzir este carro. Doenças de pretos não apanha o senhor aí!”

“Estive na Guiné e não tenho medo deles. Está a ver este?” aponta ele para um que atravessa a estrada “Não tinha problema nenhum em matá-lo.”

Nisto passa junto a uma esplanada, reduz a marcha e diz “Gostava de saber que rendimentos têm eles para passarem o dia todo ali a beber imperiais”. E eu atrasado para apanhar o Metro. Parecendo adivinhar o meu atraso, continuou em marcha lenta, com um braço de fora e apontar uma casa de penhores do outro lado da rua “Ali é só ouro gamado pelos ciganos!”. E continuou a visita turística. “Falam muito da Cova da Moura, mas aqui vende-se mais droga que lá” diz ele ao passarmos pelo Bairro Estrela d'África. “A polícia não faz nada, olha para eles a passearem” comenta ao passarmos pelo carro da PSP.

E chegámos à estação do Metro com ele a insultar um outro taxista que lhe roubou um cliente, porque respondeu ao rádio-taxi mais rápido que ele. Um cliente que segundo ele, porque o viu, era um ladrão de velhas e estava a chamar o taxi para ir comprar droga.

Duas viagens pelos subúrbios de Lisboa em menos de duas horas passíveis de fazerem com que qualquer um se quisesse alistar numa milícia urbana ou de limpeza de marginais ou de limpeza de taxistas.

Sim, porque andar de taxi em Lisboa é sempre uma aventura. Um mês antes desta história, estive um fim-de-semana em Lisboa (por sinal por causa de uma outra entrevista que me levou a ir a esta segunda entrevista) e uma dada noite de sábado, também apanhámos uns fogareiros engraçados em duas corridas.

O primeiro, numa corrida rápida entre o Príncipe Real e o Cais do Sodré, não disse uma palavra, mas assim que parou o carro em frente à estação dos comboios, perdeu as estribeiras. Mal parámos, um carro enfiou-se na traseira do taxi e homem saiu a correr a ver o que se passava. Pagámos e nem ficámos para ver...

A volta, já com uns amigos, foi subir a Av. Da República a 80 km/h com uma distância de menos de 5m do taxi da frente, a passar os semáforos todos como se fossem luzes de iluminação da estrada. E em alta discussão com o Pitta que, já com uns copos a mais, queria saber quem era o Jorge Perestrello que tinha morrido. Olhos nos olhos...

É assim a vida com os taxistas em Lisboa.

3 comentários:

Anónimo disse...

Acho que todos já tiveram experiências alucinantes com taxistas em Lisboa. Uma das poucas coisas que a Manuela Ferreira Leite esteve para fazer de jeito, foi fazer estes gajos pagar impostos, mas eles ameaçaram-na com um cerco a Lisboa e ela teve medo. Voltou inexplicavelmente atrás. A polícia de choque só existe para alguns...
Estes tipos enganam os clientes que não conhecem Lisboa, fazem cara de urso quando alguém lhes pede um recibo, cara de urso também quando acham que a viagem é pequena, e ainda por cima, geralmente, demonstram uma cultura geral e inteligência semelhante à de um babuíno morto.
É só a minha opinião, claro.

Anónimo disse...

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Anónimo disse...

sou motorista de taxi e tu devias era andar numa carroca puxada por bois para saberes dar o devido valor a quem tem que levar com toda a merda