segunda-feira, agosto 07, 2006

Inovar é Preciso

Há umas semanas, mais precisamente a 8 de Julho, no caderno Económico do jornal Expresso, na coluna de opinião "Inovar é Preciso", o Prof. da FCT-UNL e presidente da YDreams, o mediático (nem por isso inovador, como irão ver, como a maioria dos que escrevem nessa coluna) António Câmara (asc@mail.fct.unl.pt) dizia:

"Talentos e Regiões
Lisboa é bem mais atractiva do que a maioria dos portugueses pensa

Paul Graham em How to be Silicon Valley (ver http://paulgraham.com/siliconvalley.htmI) enumera quatro factores decisivos para o sucesso das regiões na economia de conhecimento: a existência de universidades de classe mundial; investidores, talentos e exemplos de empreendedores de sucesso.

A ausência de apenas um dos factores explica o insucesso de cidades como Pittsburg e New Haven, segundo Graham. A primeira tem Carnegie Mellon University e talento abundante. Mas poucos são os investidores que querem viver na inclemente Pittsburgh. New Haven tem o talento de Yale e em Connecticut reside um número substancial de investidores, mas não existem exemplos de empreendedores bem sucedidos. Entre os quatro factores, a atracção de talentos é certamente o primordial. As principais universidades e empresas americanas têm recrutado investigadores, inventores, artistas e gestores em to do o mundo desde a 2a Guerra Mundial. Este talento atraiu o investimento que ajudou a criar riqueza.

Na última década, países e, sobretudo, cidades europeias acordaram para a necessidade de reter os seus talentos e atrair os provenientes de outros locais. Por exemplo, a Irlanda tem hoje programas como as Young Presidential Investigator Awards para apoiar os seus jovens cientistas mais talentosos. Dublin oferece até ateliês para os mais prometedores arquitectos internacionais.

Na vizinha Barcelona, criou-se uma iniciativa (http://www.bcn.es/22@bcn/) para transformar a cidade num magnete de talento mundial nas áreas dos novos «media» e biotecnologia. Essa iniciativa associa as principais universidades, empresas e entidades bancárias de Barcelona. Os impostos sobre rendimentos na região foram também reduzidos para atrair residentes estrangeiros baseando-se numa tarifa plana de 20% (muitos dizem que na origem deste valor estão os casos dos talentosos futebolistas e técnicos estrangeiros do principal clube local). A recente instalação do laboratório europeu de investigação da Yahoo demonstra a crescente atractividade da cidade.

Tendo passado este último ano a recrutar talentos (alguns deles internacionais) para a YDreams, verifiquei que a região de Lisboa é bem mais atractiva do que a maioria, dos portugueses pensa. Uma estratégia concertada entre , actores como os referidos para o caso catalão ajudaria certamente a criar uma região mais vibrante e rica.
"

Eu não pude deixar de comentar, e umas duas semanas depois, quando gozei de uns minutos entre fraldas, choros ou banhos do Baltasar, escrevi um mail ao "inovador" Sr. António Câmara. Nunca recebi uma resposta.

"Boa noite,

Desde o seu início que tenho lido a coluna "Inovar é Preciso" no caderno Económico do Expresso. Por diversas razões, porque que nutro uma especial admiração pelo Nicolau Santos, porque tenho interesse em saber o que pensam os mais mediáticos gestores da novas tecnologias em Portugal... Porque penso que, depois de ter trabalhado nos Estados Unidos, Inglaterra e Japão, posso comparar maneiras de pensar destes com a minha experiência.

Por isso, o seu artigo de 8 de Julho suscitou o meu interesse, mais do que é normal. Porém, entre as fraldas e os choros do meu recém-nascido filho não me foi possível comentar mais cedo, embora o tenha comentado entre amigos algumas vezes.

Confesso que o artigo me abriu o interesse pelo estudo feito pelo Paul Graham, mas ainda não tive a hipótese de me dedicar ao mesmo. Uma vez que me inscrevi esta semana numa pós-graduação em gestão, penso que estas fontes de informação são sempre de guardar para posterior análise. Mas o que mais me impressionou no seu artigo foi a comparação entre Barcelona e Lisboa, ou o assumir que Lisboa teria exemplos de empreendedores de sucesso, ou ainda que as empresas possam gozar de estratégias exteriores em vez de essa função passar pelas próprias empresas.

Assim e começando pela analogia entre Barcelona e Lisboa, poderemos ver que Barcelona terá adoptado a referida estratégia de transformar a cidade num magnete de talento estrangeiro, porque Madrid, a capital espanhola, não precisa dessa estratégia. Ou seja, Lisboa, como capital portuguesa, provavelmente não precisasse tanto dessa estratégia como outras cidades portuguesas. Além de que Lisboa é sem dúvida a cidade portuguesa com maior percentagem de estrangeiros em Portugal, pelo que adopção de uma taxa plana não iria trazer mais atracção a estrangeiros (ou ia definir o que era um talento de um qualquer imigrante?). Além disso, a YDreams não fica no distrito de Setúbal?

Depois enumere-me os empreendedores de sucesso em Lisboa... Assim de repente lembro-me como grandes empreendedores em Portugal, os nomes de Belmiro de Azevedo, Rui Nabeiro ou Américo Amorim e parece-me que nenhum deles é de Lisboa. Parece-me que Lisboa, é verdade, goza dos outros três factores, mas este sinceramente não é o melhor exemplo que obtemos de Lisboa.

O que nos leva ao meu terceiro comentário, acho que em Lisboa, e em Portugal, as empresas continuam à espera que sejam elementos exteriores os elementos de mudança e melhoria das suas estratégias. Confesso que quando trabalhei na Bay Area de San Francisco (tecnicamente não trabalhei em Silicon Valley), na mesma empresa onde trabalhou o vosso colaborador A.A.* (que conheci lá), eram as empresas as principais responsáveis para a fixação dos seus quadros, estrangeiros ou não. Além de que, como deve saber, Silicon Valley não é um exemplo de sustentabilidade, e como deve saber poucas são as empresas que sobreviveram ao pós-911 e à era Bush. E não estou a falar em criar bem estar só dos gelados Haggan Das (que também sei já não são normais nem na YDreams).
Permita-me este comentário, sem que não deixe de concordar com algumas coisas que diz, mas não para a região de Lisboa. Sim! Porque a Critical consegue fixar talentos estrangeiros em Coimbra, sem ajudas de "uma estratégia concertada" de actores referidos. Aveiro, com a sua qualidade de vida, poderia fixar esses talentos se se encontrassem investidores interessados (coisa que em Lisboa não falta). Ou Braga que sem ajudas vai todos os dias aumentando o número de talentos que por lá se fixam. Ou pergunte ao seu colaborador P.P.* se não preferia trabalhar numa zona mais periférica de Lisboa (fizemos BTT em tempos).

Confesso que Inglaterra, sem o sol que tanto gostamos, consegue neste momento ser o maior íman de talentos na Europa e não goza de nenhum estatuto especial para estrangeiros como Barcelona. Será porque a estratégia das empresas não passa por aí? Passa por outras... E sou-lhe sincero se por razões de qualidade de vida gostava de ter ficado a viver no norte da Califórnia, em condições de trabalho (ordenado, formação, organização de trabalho, liderança, objectivos...) preferia trabalhar na Inglaterra. Mas optei por retornar a Portugal, para poder aqui aplicar os conhecimentos e a experiência que adquiri.

Infelizmente, por excesso de currículo, estou desempregado... Assim se fixam os talentos em Portugal!

Cumprimentos
Rui
"

De qualquer maneira o artigo gerou discussão, o que é sempre muito bom!

* Os nomes foram substituídos pelas inicias por questões de privacidade das pessoas em causa.

1 comentário:

Anónimo disse...

Rui,


Verifiquei que no teu blogue (http://www.cronicalif.blogspot.com/) referiste que me enviaste um mail de que nunca obtiveste resposta. Como tenho por hábito responder a todos os mails que me enviam fui verificar o que se passou. De facto, na data em que o teu mail foi enviado, a FCT-UNL mudou o servidor de mails e o meu antigo endereço (asc@mail.fct.unl.pt) deixou de funcionar. O mail actual é asc@fct.unl.pt mas podes também utilizar antonio.camara@ydreams.com.



Quanto ao teu argumento tem quatro falhas fundamentais:



- Referia-me à região de Lisboa e não cidade de Lisboa. Mas no artigo em causa citei Lisboa não como região suprema mas como a única sobre a qual posso falar com conhecimento de causa.



- Em Barcelona, houve e há uma estratégia concertada entre universidades, bancos e grandes empresas espanholas para recrutar talentos e empresas na área dos novos media, biotecnologia e tecnologias de informação. Num mail pessoal ilustrei-te essa estratégia com vários casos particulaures


- Não me referi nunca a ajuda exterior a empresas e muito menos do Estado. Na YDreams o nosso investimento é privado. Mas Lisboa (e as outras cidades portuguesas) não tem uma unica universidade de classe internacional. Existem muitas razões que explicam este facto mas a fundamental reside no actual sistema de gestão de recursos humanos. Esse sistema, baseado no Orçamento do Estado, não permite a contratação de talentos como o que ocorre em Barcelona. A criação de “chairs” pelas empresas nas universidades ajudaria a resolver esse problema. A YDreams está aliás a colaborar com a FCT-UNL nesse sentido.



- Os EUA e o Reino Unido são casos absolutamente diversos do Português e até de Barcelona. As empresas nesses países tem uma “pool” de talentos nas suas universidades riquíssima. Convem referir que essa “pool” (incluindo professores e estudantes) é financiada há dezenas de anos pelo Governo Americano numa lógica inspirada no documento “Science, The Endless Frontier” de Vannevar Bush. E é também financiada por empresas como a HP que assumiram essa ajuda como estrutural para o crescimento da empresa (ver relação entre HP e Stanford no livro HP Way). Torna-se fácil depois para as empresas recrutarem o talento existente.

Barcelona e Portugal não têm essa história. Têm que a criar.

Antonio Camara