terça-feira, outubro 05, 2004

Palhaça: "Dia de aumentos"

Dia de comunicação de aumentos na Sociedade de Enchimento de Chouriços (SEC). Uma pequena e escura sala de reuniões, sem janelas para o exterior. No centro da sala uma mesa ocupando quase todo o espaço disponível. Na cabeceira da mesa está sentado Alípio Borralho, o chefe da equipa de enchimento. À sua frente está um molho de papéis, um por cada empregado. Cada papel tem descrito o aumento de ordenado que o empregado irá gozar este ano.
Chega a vez de Rodrigo Rodrigues ser chamado, para saber o quanto foi aumentado e quanto valeu o seu esforço de encher chouriços no ano que passou. É a primeira vez que é aumentado desde que começou a encher chouriços na SEC.
Entra na sala e senta-se na cabeceira contrária de Alípio Borralho. Este começa:
– “Rodrigo, obrigado pelo seu esforço no ano que passou. A empresa sente a necessidade de o compensar por esse esforço que despendeu para o bem estar e bom funcionamento da companhia e pela sua consolidação como empresa líder de enchimento de chouriços em Portugal e no mundo.
Os olhos de Rodrigo começam a brilhar e esboça um sorriso. Alípio continua:
– “O seu esforço e a sua dedicação são indispensáveis para a moral e bom funcionamento da linha de enchimento de chouriços. Sei como sacrificou a sua vida particular em momentos difíceis para a empresa, quando entregas de chouriços eram prioritárias e fez horas extraordinárias, sem que houvesse a promessa de compensação.
Os olhos de Rodrigo brilham e o sorriso quase se estende de orelha a orelha. Alípio continua:
– “Por estas e outras razões este é o seu aumento.” – diz fazendo chegar o papel com seu nome até Rodrigo, na outra ponta da mesa.
Rodrigo olha para o papel. O sobrolho levanta, o sorriso desaparece e o brilho no olhar passa a desconcertação. A garganta seca e ele engole em seco. O aumento foi de 0.5%!?... Rodrigo sai da sala como se ainda duvidasse da verdade daquele momento.

Chega a vez de Isulina Pereira, a secretária, ser chamada. Há 3 anos que trabalha na SEC. De novo, entra no ambiente carregado da sala e é o momento de saber quanto foi aumentada, desta vez. Senta-se, algo nervosa, na outra ponta da mesa de Alípio e este começa:
– “Isulina, obrigado pelo seu esforço no ano que passou. A empresa sente a necessidade de a compensar por esse esforço que despendeu para o bem estar e bom funcionamento da companhia e pela sua consolidação como empresa líder de enchimento de chouriços em Portugal e no mundo.
Isulina, um pouco tensa, não reage e só pensa “Vamos lá! Despacha-te com o discurso.” Alípio continua:
– “O seu esforço e a sua dedicação são indispensáveis para a moral e bom funcionamento da empresa. Sei como sacrificou a sua vida particular em momentos difíceis para a empresa, quando haviam prioridades e fez horas extraordinárias, sem que houvesse a promessa de compensação.” – e continua – “Por estas e outras razões este é o seu aumento.” – diz empurrando, com o indicador esquerdo, o papel até à outra ponta da mesa, onde estava Isulina.
Esta, sem olhar para o papel, dobra-o em quatro e guarda-o no bolso de trás das calças. Alípio surpreendido pergunta:
– “Não vai ver quanto foi aumentada?
– “Prefiro rir-me sozinha!” – diz Isulina.

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