terça-feira, abril 11, 2006

: : : 1-big-O [v19.0]

«Todos os dias estamos a aprender qualquer coisa e é na diferença que estamos a aprender»
Rui Gonçalves conta a sua experiência de «retorno ao Japão» através da exposição «nihon ni kaerimasu»

nihon ni kaerimasu


«Nihon ni kaerimasu», da autoria de Rui Gonçalves, é a exposição de fotografia e texto que está patente na Livraria o Navio de Espelhos até dia 7 de Abril, amanhã.
Esta exposição resulta de uma experiência de trabalho no Japão, em 2003, que Rui Gonçalves descreve como bastante intensa. É esta experiência pessoal que o autor procura compartilhar com o público. Tanto através das fotografias, como através dos textos. Durante uma conversa no espaço da Livraria o Navio de Espelhos, Rui Gonçalves partilhou com o CLIP alguns pormenores desta experiência e do conjunto ali exposto.

Esta exposição resulta de uma experiência de trabalho que o levou ao Japão. Tendo em conta que não faz da fotografia profissão, de que forma enquadra esta nas suas actividades em geral?
Eu sou licenciado em Engenharia Electrónica e Telecomunicações. Mas digamos que o trabalho é uma coisa e a tua vida é outra. Embora hajam muitas pessoas que fazem aquilo que gostam, como o outro diz «sermos felizes era pagarem-nos por aquilo que faríamos de graça», a verdade é que nós fazemos muita coisa de graça que não nos dá dinheiro para sermos felizes. Então, para sermos felizes, temos que ir ganhar dinheiro numa profissão que muitas vezes não é necessariamente aquilo que nos preenche por completo. E procuramos escapes. Eu tenho a fotografia como tenho outras coisas como escape. Como faço BTT, como faço montanha, como faço outras coisas.

Portanto, a fotografia é um hobbie?
Para aí há dois anos era mais do que é agora. Não tenho tirado muitas fotografias ultimamente. Mas, por exemplo, no Japão estive sozinho e sou uma pessoa que gosta muito de observar. Aliás, a exposição não é só de fotografia também tem textos. E muitos deles são observações daquilo que se passava à minha volta. Com isso, tento trazer um pouco daquilo que observei lá (e noutros sítios). Ou, mesmo cá, uso a máquina não para guardar os momentos que vivo (esses só mesmo contando ou lembrando), mas para enquadrar certos pormenores que às vezes são difíceis de contar por palavras.

«Nihon ni kaerimasu» é o nome da exposição (suponho que é japonês). Em algumas palavras, como traduziria este título? Qual o porquê deste título?
«Nihon» é Japão, «ni», em japonês utilizam-se sempre elementos de ligação entre duas palavras, liga a um lugar, «kaerimasu» é retornar, de presente. Eles lêem de trás para a frente, portanto, traduz-se «retorno ao Japão». Este título porque, na segunda vez que voltei ao Japão a primeira crónica que escrevi foi «retornei a Kamoi», que era a cidade onde estava. E escrevi em japonês assim, «Kamoi ni kaerimasu». Então, acho que este título serve para tentar dizer que esta é também é uma viagem de regresso. Eu fui lá e agora voltei lá, mas trouxe comigo as coisas que me permitem mostrar às pessoas o que é estar lá. No sentido em que é o meu retorno mas, para quem vê, se calhar não é um retorno. É um «abrir de olhos» provavelmente.

Descreve que o período em que esteve no Japão foi de tal modo intenso que o levou a «cultivar um fascínio especial pelo país». Com que aspectos da cultura japonesa e do país se prende esse fascínio?
Acho que todo e qualquer português tem um fascínio enorme pelo Japão. Eu tinha-o antes de ir. Na inauguração da exposição esteve presente um colega que esteve comigo no Japão. E a última pergunta que nos fizeram aos dois foi «Passando por isso tudo que vocês passaram lá, voltavam ao Japão?». A resposta foi «Voltávamos». Porque foi um período curto de tempo (2 meses em duas vezes) e durante esse período de tempo a intensidade das coisas era tão grande. E não só em termos visuais, mas em termos culturais, em termos de vivência, em termos de trabalho. Tudo era tão intenso que eu voltaria outra vez para experimentar tudo mais uma vez. Obviamente que, de cada vez que cheguei a Portugal, eu não queria ouvir falar do Japão. É difícil quando chegamos, pois estamos muito cansados. Mas o Japão é um país cheio de estímulos. Eu dou o exemplo de quando fui a África, há pouco tempo. A América não é tão diferente da Europa, apesar de ser diferente. Mas nós vamos a África e é um encher de estímulos completamente diferente dos nossos. E a Ásia é igual. O Japão por ser um país muito mais desenvolvido, muito mais populoso e a maneira intensa como se vivem as coisas, torna-se fascinante. O Japão não um país propriamente de belezas naturais (embora as tenha, só que eu não as vi), mas a cultura em si, o próprio ritmo de trabalho e as pessoas são fascinantes por serem muito diferentes. Todos os dias estamos a aprender qualquer coisa e é na diferença que estamos a aprender.

De que forma é que esses aspectos se exprimem nas fotografias que nos apresenta nesta exposição?
Eu preparei esta exposição há algum tempo. E fui pondo de parte as fotografias que achava que mais tinham a ver com os textos, mais do que escolher as melhores fotografias que tinha do Japão. Porque pretendia pôr as duas coisas. Provavelmente, algumas das fotografias escolhidas, se não tivessem os textos, não diziam nada a ninguém. E fui seleccionando as fotografias em função desta ideia. Inicialmente, fiz uma proposta para fazer a exposição para o «Anime Weekend» que foi recusada, por falta de dinheiro. Mas a exposição estava preparada e, portanto, a exposição veio para aqui [Livraria O Navio de Espelhos]. E foram as fotografias que já estavam, que não são necessariamente as melhores fotografias que tenho, mas foram aquelas que eu fui vendo que se enquadravam umas com as outras e com os textos.

E, no fundo, como é que se relaciona a fotografia e o texto neste trabalho?
A maior parte dos textos foi escrita quando eu estava lá. Eu retirei os textos das «Crónicas Depois Da Califórnia», que são textos que eu escrevia para os amigos quando estava lá, e que estão online. A maior parte das fotografias que estão aqui não foram tiradas a pensar nos textos, nem os textos a pensar nessas (fotografias. Foi a posteriori que fui vendo as fotografias e li os textos e vi as fotografias que se encaixavam melhor com os textos. Porque a ideia global é mostrar o que foi o Japão para mim. Daí o retorno meu ao Japão. Provavelmente, se olharmos para as fotografias até parece um sítio mais ou menos paradisíaco mas se lermos os textos que estão com algumas fotografias ficamos a perceber que o mundo não é assim tão fácil. E os textos enquadram-se nisso, são exactamente como escrevi no momento em estava lá.

Nesse caso, o texto e a fotografia podem funcionar de forma independente?
Os textos funcionam. Estão online no meu website, e as pessoas podem lê-lo na altura. As fotografias provavelmente as pessoas nunca as viram. Se pusesse aqui as fotografias sem os textos provavelmente o retorno não seria o mesmo para qualquer pessoa que viesse cá. E se expusesse os textos sem as fotografias, então não se percebia nada. No fundo a uma coisa tem que estar com a outra. E a ideia da exposição partiu daí. Não é só uma exposição de fotografia, do meu ponto de vista.

Pensa, ainda, vir a expor um conjunto mais alargado das fotografias que resultaram desta experiência no Japão?
É difícil. Normalmente quando faço uma exposição não a repito. Mas, haveria espaço para colocar mais fotografias. Após ter apresentado a proposta para esta exposição não tive tempo para preparar mais material. Então, fiz uma apresentação oral, falei sobre as fotografias e permiti que as pessoas me fizessem perguntas. Para tentar partilhar a experiência. Mais do que expor fotografias, partilhar a experiência.

No futuro poderemos esperar mais exposições de fotografia da sua autoria?
Bom, não sei. O que estou afazer neste momento, é um projecto com uma amiga minha que produz vinho. Estou a tentar fazer um projecto de um ano, provavelmente, desde a vinha em bruto, a crescer, a apanha da uva, o fazer o vinho. Pode ser que depois este trabalho resulte numa exposição, em conjunto com ela.


O CLIP pede desculpa a Rui Gonçalves pela publicação tardia desta entrevista que, por motivos técnicos, não foi publicada na edição anterior. Para aqueles que não tenham oportunidade de ver esta exposição ao vivo até amanhã, recomenda-se que espreitem o site pessoal do autor (http://ruigo.net/fotog/expo/nihon), onde poderão encontrar as fotografias e os textos originais dos excertos que a compõem, «Crónicas depois da Califórnia», escritos por Rui Gonçalves durante a sua estadia no Japão.

Cristina Fernandes

Outros trabalhos em Fotografia:
Março de 2001, exposição no 4S Concurso Nacional para Fotógrafos Amadores no FOTIMAG / Exponor; Setembro de 2001, foto vencedora no concurso Foto do Mês do Exit.pt; 2001/2002, foto vencedora de concurso de fotografia no NetViagens.com; menção honrosa no «Salón Internacional de Fotografia por Internet» do Centro Argentino de Fotografia.

in CLIP (suplemento do Diário de Aveiro) em 06/04/2006

segunda-feira, abril 03, 2006

A minha vida dava um filme do Alfred Hitchcock (pt. 8)

Há umas semanas recebi uma carta para ir prestar depoimento ao Mistério Púbico (N.R.: Nome fictício) de Aveiro, relativamente à queixa-crime, sobre desconhecido por uso abusivo dos meus dados, que apresentei na polícia em dezembro do ano passado.

Na data prevista, uns 10 minutos antes da hora prevista, dirijo-me ao edifício do Tribunal e apresento-me na recepção com a carta de notificação.
- "É naquela sala!" – aponta a senhora, para o canto mais escuro do edifício - "Pergunte à senhora que está no guichet à entrada."
Atravessei o hall e andei cerca de 20 metros para encontrar por detrás da porta daquela sala apontada, um outro guichet onde uma senhora, mais ou menos da mesma idade, me disse, depois de olhar para a notificação:
- "É ali naquele balcão!" – apontou para o fim da sala - "Pode sentar-se e aguardar!"
"Lindo! Não era mais simples usar umas placas?" – pensei eu e sentei-me. Reconheço uma cara conhecida, que se levanta da secretária e dirige-se a mim. Apresento-lhe a notificação e depois de consultar um colega, diz-me para aguardar.

No entretanto reparo numa rapariga gira, bem vestida, de pé e com um portátil a tiracolo que muda de perna de apoio como se estivesse impaciente. Aparentemente estava ali antes de mim... Mas um dos funcionários, mais novo e com ar de engatatão, vem à frente e pede-lhe desculpa, porque aparentemente ninguém a tinha visto. Como se fosse possível...

Nessa altura sou chamado pelo funcionário que está a tratar do "meu caso". Um homem de meia idade com ar de quem não gosta muito de ali estar, mas que poucas outras chances teve na vida. Sento-me junto à sua secretária para fazer o meu depoimento. E começa ele:
- "Explique-me lá o que se passou!" - e começo com a triste história do abuso de identidade (vide episódios anteriores desta série). E acrescento os dados novos sobre a conta bancária, que ainda não faziam parte do processo, porque não eram conhecidas à data da queixa.
- "O senhor sabe que isto não vai dar em nada? Não se preocupe, o que mais há por aí é casos desses e não dão em nada." – diz-me ele com ar de quem não está para se preocupar muito com o meu depoimento – "Tem a certeza que quer manter a queixa?"
- "Obviamente! Até que estejam as coisas resolvidas e a minha inocência seja provada a queixa mantém-se!" – digo eu convicto.
- "Ok! Então vamos escrever o seu depoimento!" - diz ele com algum tédio.
E pega num modelo de depoimento com o típico "No dia tantos do tal o depoente fulano de tal declarou que"... ao que acrescentou, mais à frente, conforme
- "A assinatura não é a minha, embora a escrita de alguns dos nomes sejam parecidos, como se tivesse tido acesso a parte da minha assinatura!" – eu depus.
Ao que ele escreveu:
- "o deopetne dclaruo equ a assiantrura no contratco não è a sua mas quie amdiety podasa ser mer portew semerlasmntrew" - parando de seguida a contemplar a sua escrita e voltou atrás ao início da frase e apagou e voltou a escrever palavra a palavra até que finalmente ficou:
- "o depoente declarou que a assinatura no contracto não è a sua mas que admite possa ser em porte semelhante."

E continuamos assim durante duas páginas de depoimento.