quinta-feira, setembro 22, 2005

A minha vida dava um filme do Tim Burton

Entrei! A porta de metal, com uma grade, abriu-se e tocou uma campainha. A menos de mim, e de uma senhora que não tirou os olhos do jornal, não estava mais ninguém ali. Subi as escadas e esperei que aparecesse alguém mais, uma vez que a senhora não me pareceu muito interessada em me informar do que se passava. Sentei-me, num banco corrido, junto ao corrimão da escada, que tinha acabado de subir desde a porta.

Tocou o telefone! De repente oiço alguém a subir as escadas, mas adopto a reacção da senhora, no outro banco, como se fosse o procedimento normal de quem ali espera por algo e mantenho os olhos naquele artigo sobre os atentados ecológicos em Portugal. Um artigo sem grande interesse e cheio de lugares comuns, mas informativo para quem não vive neste mundo e compra a Visão.

No entretanto entram mais duas pessoas. Toca a campainha, mas quem devia de atender, está a atender um telefonema. Sobem as escadas e olham em volta, como se houvesse muito para ver. Entram numa das salas, em frente a mim, e vão-se embora. Eu conheci o tipo, que acompanhava uma jovem borbulhenta nesta rápida visita às instalações, enquanto a senhora lê o jornal, eu a Visão e o outro atende o telefone. Era um amigo de uma amiga, a quem fui levar uns CDs há umas semanas, e que foi em tempos patrão de um outro amigo meu. Cumprimentámo-nos timidamente, quando levantei os olhos da revista.

Depois de findo o telefonema, o homem, de barba grisalha e sotaque, pergunta-me, simpaticamente, o que procurava eu ali. Respondi-lhe que vinha para uma consulta de acupunctura. "Ok! Espere um pouco aqui" – apontando para a porta fechada, em frente – "Ele está neste momento a atender outro cliente". E continuei a ler os atentados ecológicos em Portugal.

A porta, à minha frente, abre-se! Sai de lá um tipo com 1,80m e com um volumetria que ocupou a improvisada sala de espera ali no vão de escada. Era o companheiro da senhora do jornal, que pela primeira vez levantou os olhos do mesmo. Falaram qualquer coisa e foram-se embora.

Nisto, o tipo de bata branca e luva de plástico na mão direita, diz, olhando na minha direcção "Rui? Pode entrar!". O acupunctor é brasileiro, preto (ou marron, como ele diz "No Brasiú preto é assim marron..."), com um cabelo lambido para trás, com reflexos meios cobreados, com alguma dificuldade em abrir os olhos, mas com um lindo e aberto sorriso que enche a sala, decorada com mobiliário de consultório com 30 anos.

Deito-me na marquesa e ele liga o almofada vibratória para eu relaxar. Não que estivesse nervoso, mas algo tenso! Já dei sangue e fiz algumas análises, mas era a primeira vez que me iam espetar agulhas com fins terapêuticos. Começou por me analisar na orelha, com um medidor de continuidade eléctrica, quais os órgãos, ou sintomas, que eu precisava de ver melhorados. Intestinos, pulmões e a ansiedade!

A conversa foi desenrolando, enquanto me espetava as agulhas nos meridianos que regulavam as energias que os afectavam. Para balançar o Yin e o Yang, porque eu tenho Yang a mais, disse ele. Uma das agulhas, no cotovelo do braço direito, paralisava-me completamente os movimentos e até senti a mão dormente, mas as das pernas e dos pés nem as senti. Acho que estava algo tenso, por ser final de um dia de trabalho, e como não conseguia ter uma posição confortável dos braços, fazia alguma força. Ou então, o meu lado direito (o Yang) estava a resentir-se.

Conversámos das vantagens de viver em Portugal e dos males do Brasil. De racismo e de extraterrestres. Enquanto as agulhas foram fazendo o seu serviço no meu corpo e enquanto me espetava umas pequenas (quase invisíveis) agulhas na orelha direita. E assim ando há uma semana, com agulhas na orelha! Umas vezes dói mais uma ou outra, mas neste momento só me dói a que está no meridiano do intestino grosso.

E ando com agulhas na bolsa, porque amanhã volto lá outra vez.