sexta-feira, fevereiro 22, 2008

Cristina Teresa Seleiro

Em miúdo, no verão, ia para a Reboleira (uma zona que hoje provavelmente não é aconselhável a crianças) passar uns dias. Durante 15 dias dormia numa varanda envidraçada, num nono andar, a quase 50 metros de altitude. Confinado a um espaço diminuto, mas aconchegante, pois era a casa dos meus avós.

Tinha passe social e todos os dias ia para a praia de Carcavelos, sozinho! A minha avó dava-me uns trocados e um lanche e lá ia eu! Quando estava mau tempo ia até ao Chiado e gastava os trocados, que tinha amealhado, num disco (comprei U2, Waterboys e outros, antes da Valentim de Carvalho arder).

Não era uma mulher que brincasse comigo, como o meu avô, mas dava-me uma coisa que era muito importante para um miúdo da minha idade. Liberdade! E, durante aqueles 15 dias, eu organizava a minha vida e era autónomo. Foi muito importante para mim, porque aprendi a amealhar o meu dinheiro e a usufruir da minha companhia. Foi a primeira vez que explorei uma cidade sozinho, e depois dessa já o fiz muitas vezes, mas cada vez que percorro as ruas do Chiado e do Bairro Alto, penso naqueles Verões em casa dos meus avós.



Pouco depois do Baltasar nascer, fui, com a Cláudia, mostrar à minha avó o seu novo bisneto. Foi um gesto importante, pois soube esta semana que não conheceu todos os seus bisnetos... Porque, o meu tio mo disse! No enterro dela... O meu Tio Zé, que é Pastor na Igreja Evangélica Baptista e que celebrou a cerimónia fúnebre da minha avó. A igreja da qual era devota. Nunca conheci ninguém mais devoto que ela, mesmo contra todos que a criticavam por não ser católica. Via muito mal, mas em compensação recitava a bíblia de cor. E falava com Deus... Não invejo a sua dedicação à religião, mas a sua capacidade de se manter crente!

Quando me deitei na cama na terça-feira, vi a sua cara a dizer, com o seu sotaque alentejano, "O mê Manézinho!". Uma lágrima percorreu-me a face e disse-lhe adeus! Espero que esteja no seu Céu, ao lado do seu Deus!